O registro imediato
por Bruno CarmeloEm 2012, o grupo siderúrgico ArcelorMittal anunciou a intenção de fechar uma usina em Florange, na França, demitindo 700 funcionários e encerrando mais 300 empregos terceirizados. A decisão obedecia à lógica perversa do liberalismo: o diretor da empresa pretendia levar a empresa a outro país com mão de obra mais barata. Durante cerca de dois anos, os trabalhadores da usina lutaram contra o fechamento do local, intercalando longas greves com apelos formais ao Presidente da República e à Comissão Europeia.
A mobilização contra a multinacional é o tema de A Batalha de Florange, dirigido por Jean-Claude Poirson. Desde o início, o cineasta demonstra estar do lado dos operários contra o grupo Mittal: além dos letreiros informando a possível demissão em massa ao som de música assustadora, o filme ergue seus personagens à condição de heróis, com direito a frases de efeito estampadas na tela como “Mas eles não contavam com a resistência!”. Estamos num terreno maniqueísta e panfletário, não muito diferente do primeiro cinema de propaganda política dos anos 1920 e 1930. A intenção é denunciar abusos e talvez converter novos aliados à causa.
A principal qualidade do projeto encontra-se no retrato humano que transparece nas cenas apesar da idealização. Ao longo dos meses, o espectador descobre a personalidade dos principais articuladores do protesto, conhecendo as dúvidas, hesitações e novas amizades travadas graças à luta conjunta. O filme também contribui a mostrar as ferramentas democráticas de que os trabalhadores dispõem na luta contra grandes corporações. Para aqueles que ainda associam a figura do grevista ao “vagabundo” que “não quer trabalhar”, basta ver o grupo de Florange dormindo em gramados, dia após dia, caminhando 320km a pé através do país para chamar atenção à luta.
No entanto, é triste perceber que não existe uma única ideia de cinema em A Batalha de Florange, ou seja, um único conceito de direção para guiar o projeto. Tornando-se um militante como os outros, Poirson vai às manifestações, dia após dia, e registra em ordem cronológica os fatos que se encontram à sua disposição. Não se busca nada além dos elementos disponíveis naquele cenário, e sequer se tenta representar a luta: o cineasta limita-se à apreensão imediata dos fatos. Pelo teor jornalístico do projeto, o espectador pode se sentir numa longuíssima reportagem de 1h50 de duração.
Assim, não existe uma reflexão formal anterior à captação. Ora, o cinema documentário, em especial aquele de vocação política, pode obter efeitos potentes a partir do uso de material de arquivo, do confronto com partes opostas do discurso, das associações inesperadas de imagem e som, das metáforas e analogias. Mas este é um projeto bruto, que se move por inércia. Ele parte de uma hipótese muito simples (os operários estão certos, os diretores de empresa estão errados) e chega à mesma conclusão no final do processo. A Batalha de Florange perde a oportunidade de refletir sobre o funcionamento do capitalismo como um todo, ou sobre a impotência dos governos diante do capital, o que expandiria o sentido da luta específica dos trabalhadores de Mittal.
Aliado ao imediatismo do discurso, as imagens tampouco se preocupam em ser belas, marcantes, provocadoras. Poirson filma como um cinegrafista padrão: ele fecha a imagem nos rostos mais importantes, abre o enquadramento ao captar um grupo reunido. A qualidade da fotografia é pavorosa, assim como a captação de som direto. A linguagem cinematográfica torna-se um detalhe para esta forma de militantismo que usa o cinema como mero panfleto, um alto-falante para gritar frases de efeito.
Filme visto no 22º Festival Internacional de Documentário É Tudo Verdade, em abril de 2017.