Além dos ringues
por Francisco RussoDiz um ditado popular dos quadrinhos que pode-se medir o tamanho de um super-herói a partir dos vilões que enfrenta. Guardadas as devidas proporções, é o que acontece entre Luciano Todo Duro e Reginaldo Holyfield, ícones do boxe nacional que levaram a rivalidade para muito além dos ringues, no passado e ainda nos dias atuais. Tudo envolto em uma esperta jogada de marketing, habilmente utilizada de forma a provocar previsíveis excessos, de parte a parte.
Conhecedor da mitologia em torno de seus heróis, o diretor Sérgio Machado constrói seu A Luta do Século justamente com base na rivalidade existente. Em um relato bem jornalístico, explora um farto material de arquivo para apresentar as origens humildes de ambos, assim como situá-los como ícones da rivalidade nordestina. Um de Pernambuco e outro da Bahia, Todo Duro e Holyfield se tornaram símbolos de seu povo em um ambiente que muitas vezes passou longe do fair play tão pregado no esporte, seja entre os próprios lutadores ou na tensa relação com o público. Não por acaso, cada um apenas venceu quando lutou em casa - o que, por outro lado, revela muito da necessidade humana em vencer a todo custo e uma certa sanha assassina que, se não é incentivada pelo boxe, fica por um fio em vários momentos, devido à brutalidade da luta.
Mais do que os confrontos em si, é neste contexto que o documentário é tão saboroso. Seja na personificação de Todo Duro como um Apollo Creed brasileiro, o boxeador por excelência que não gostava de treinar e adora provocar seus concorrentes, ou mesmo nas comparações de Holyfield com o icônico Rocky Balboa, pelo treinamento socando pneus de caminhão, há neles um punhado de particularidades que não apenas os situam cinematograficamente como, também, com a difícil realidade do povo brasileiro. De origem humilde e personalidades distintas, Todo Duro e Holyfield são o arquétipo perfeito de quem se agarra ao que tem para vencer no que lhe é possível, assim como as consequências que o despreparo para a vida traz quando o sucesso bate à porta. Não por acaso, tais diferenças de personalidade não impediram que sucumbissem ao mesmo pecado: mulheres e gastança desenfreada. É interessante também notar que ambos, cada um a seu modo, estiveram bem perto da glória e não atingiram o topo sonhado.
Se por um lado tal histórico é apresentado com bastante habilidade a partir de uma edição ágil e bem-humorada, A Luta do Século vai além ao também apresentar seus protagonistas nos dias atuais, em torno dos 50 anos. Na segunda metade o documentário ganha outro tom, mais pausado e às vezes até mesmo contemplativo, associando a decadência física de ambos à consciência do poder mercadológico que ainda possuem e o próprio marketing em torno da rivalidade, conduzido com maestria por Todo Duro. Basta reparar na forma como ele fala com Holyfield ao telefone, propondo uma nova luta ao mesmo tempo em que aperta os calos necessários para que o rival perca as estribeiras. Inteligência emocional de olho no que se pode faturar mais a frente, simples assim.
Sem jamais esconder do espectador a consciência que os lutadores têm de estarem sendo filmados nem os interesses financeiros por trás de tal reencontro, A Luta do Século é um documentário ao mesmo tempo pitoresco e revelador, sobre as dificuldades enfrentadas por quem se dedica ao esporte e também sobre o comportamento de sua torcida. Bom filme, com um tempero tipicamente brasileiro que o torna tão divertido e ao mesmo tempo desolador, pelos caminhos que a vida trouxe a ambos.