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    Sob Pressão
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Sob Pressão

    Mais “nervos” e menos “coração”

    por Renato Hermsdorff

    Dr. Evandro (Júlio Andrade) é o chefe de uma equipe médica de um hospital público onde se pratica “medicina de guerra”. Depois de um confronto na favela próxima à instituição, chegam baleados, praticamente ao mesmo tempo, um policial, um traficante e uma criança (vítima de bala perdida) e ele só tem dois centros cirúrgicos disponíveis.

    “Eu preciso fazer escolhas”, diz o cirurgião; “A gente tem que fazer escolhas”, repete Samuel (Stepan Nercessian), médico a quem o Dr. Evandro é subordinado; “Eu confio nas escolhas do Evandro”, afirma, sem muita convicção, a diretora da unidade, Ana Lúcia (Andréa Beltrão), por sua vez, acima do cargo de Samuel. Sob Pressão, pelo menos em seu início, é daquele tipo de filme onde tudo é dito – o que subestima a inteligência do espectador.

    Mas não é só isso! Enquanto o policial pressiona Evandro para que seu companheiro de trabalho seja atendido primeiro, o pai da criança - influente dono de um jornal - pressiona a diretora para que a preferência seja de seu filho, enquanto os traficantes ameaçam (pressionam) invadir o hospital atrás de seu líder. (Sim, “Sob Pressão” é um título para lá de adequado). Não bastasse, falta equipamento adequado, falta (bolsa de) sangue, falta até eletricidade. Quer mais? Alguém sofre um infarto.

    Apesar do excesso de reviravoltas – que pode soar inverossímil até para aqueles que conhecem a dura rotina do sistema público de saúde no Brasil, afinal, por mais ancorado que seja na realidade (o roteiro de Renato Fagundes e Leandro Assis é livremente baseado no livro “Sob Pressão – A rotina de um médico brasileiro”, de Marcio Maranhão), trata-se de uma obra de ficção, que, como tal, precisa fazer sentido –, esse não é maior problema do filme. Curiosamente, até, torna-se o maior mérito da produção.

    Mesmo aparentemente mais adequado ao formato de série, o retrato do mondo cane vai muito bem, obrigado. A reconstrução do ambiente se dá com uma precisão, vá lá, cirúrgica. Da imagem do bisturi cortando a carne do paciente ao profissional que improvisa a luz com uma lanterna do celular, passando pelo “esparadrapo” que impede os óculos do doutor de deslizar para dentro de um tórax aberto, tudo é reconstruído com uma convincente riqueza de detalhes. A sequência frenética dos fatos não deixa o espectador respirar, elencada com um clima de constante tensão. E a direção de Andrucha Waddington (Eu Tu Eles) é firme, oferecendo uma gama de planos variados ao espectador.

    Porém, Sob Pressão atira para todo lado, procurando combinar, também, ação, aventura, denúncia social e até romance. Romance?! A trama engloba (ou procura combinar) as questões “pessoais” dos médicos. E é aí que o diagnostico falha, simplesmente porque, com tanto acontecendo, não há tempo hábil para dar conta dos – e se apegar aos – dramas individuais dos personagens. E soa no mínimo estranho (e, no máximo, ridículo) quando eles se abrem uns com os outros sobre os traumas do passado (o tal “romance”, por exemplo, joga o filme para um lugar tão inesperado quanto sem sentido. Destoa).

    Em cima do muro, Sob Pressão é uma experiência mais envolvente no retrato profundo e cru da denúncia das péssimas condições do sistema público de saúde no país (ainda que de forma ficcional) do que no sentimentalismo superficial que apenas paira sob o avental dos médicos (personagens). Ainda bem que o filme transita mais para o lado dos “nervos” da cerca do que para as bandas do “coração”.

    Filme visto durante a cobertura do Festival do Rio, em outubro de 2016.

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