Retrato de uma época
por Francisco RussoNão é de hoje que se tenta, de alguma forma, adaptar a estética da internet para o cinema. Sempre de olho em atrair o público jovem, diversas produções ora simplesmente escalam webcelebridades (É Fada) ora buscam, de alguma forma, trazer para a narrativa elementos típicos do mundo conectado (Amizade Desfeita, Nerve - Um Jogo Sem Regras). Internet - O Filme trilha ambos os caminhos e, é claro, está sujeito às inconstâncias típicas de tal proposta.
Acima de questões técnicas, é preciso encarar este filme como o retrato de uma época. Goste-se ou não, os youtubers são uma realidade e, de certa forma, é até natural que se busque algum modo de migrar (e lucrar) tamanha fama para as telas de cinema - basta lembrar os vários astros da TV que seguiram o mesmo caminho, dos Trapalhões a Xuxa e Angélica. A grande questão é que, dentro desta migração, são transferidas não apenas pessoas mas também vícios estilísticos e de linguagem - e, neste caso, a decisão é bem ame ou odeie.
Internet - O Filme sofre, bastante, deste problema. Por mais que haja um esforço no sentido de apresentar diversas historietas interconectadas estreladas por youtubers, no melhor estilo filme-coral, há também momentos em que se replica na telona a estética das principais redes sociais da atualidade. Ou seja, é como se o filme interrompesse a narrativa para exibir memes, piadas apelativas, simulações de Snapchat e live no Facebook - este último, ao menos, tem uma função dentro da história. Tais interrupções não apenas quebram o ritmo do filme, como relembram o espectador do tom histérico e histriônico comum ao universo dos influenciadores. Quem curte, vibra; os demais, odeiam.
Entretanto, é preciso também destacar que tais aparições surgem espaçadas no longa-metragem, em momentos específicos. A irritante narração em off do trailer, sempre gritando, felizmente não faz parte da história, que até é contada de forma tradicional: vários influenciadores e seus fãs estão reunidos em um hotel de São Paulo, para uma grande convenção que acontecerá nos próximos dias. É o gancho para um imenso painel representativo do universo de youtubers, que surgem em suas variadas facetas: o arrogante, o que esconde o rosto, o casal que faz sucesso, o que depende da fama de um animal, a que fala verdades a todo instante, o vulgar, o que sempre xinga, o feito em animação e por aí vai. Mais do que glorificá-los, o filme tem por objetivo identificá-los em um misto de apresentação aos leigos e reconhecimento daquele meio aos entendidos, até mesmo com uma certa autocrítica. Neste ponto, o filme funciona a contento.
O que não funciona bem é a regularidade envolvendo personagens e historietas. Se Gusta Stockler, Gabi Lopes e Teddy até se saem bem, em parte ajudados pela própria narrativa em que estão envolvidos, vários são os youtubers que surgem de forma apática ou irritante. Entretanto, nenhum deles supera o exagerado histrionismo trazido por Paulinho Serra, que interpreta um personagem insuportável.
Com historietas variando entre o ameno e o constrangedor (especialmente a envolvendo o cachorro Brioco), pontuado por algumas piadas escatológicas, Internet - O Filme consegue se salvar em poucos momentos. Um deles está no pós-créditos, na divertida cena envolvendo Mr. Catra como Deus, e nas espertas piadas envolvendo as provocações a Felipe Neto, o suposto casal formado por Kéfera e Alexandre Frota e a breve aparição do frame típico da Jequiti Cosméticos, nas transmissões do SBT. São momentos como este, em que ri do próprio universo retratado, que o filme encontra um caminho a seguir. Pena que são poucos.
Um aspecto que chama a atenção em Internet - O Filme é a quase inexistência de negros no elenco. A única presente é Polly Marinho, intérprete de Barbarinha, que é atriz profissional. Mais do que uma crítica ao filme, a inexistência de youtubers negros de destaque revela muito sobre o racismo entranhado na sociedade que os cria e incensa.