" Não importa o que dizem Cleo, nós mulheres sempre estamos sozinhas"
ROMA
Roma é dirigido, produzido, roteirizado e fotografado pelo mexicano Alfonso Cuarón. Inicialmente o longa seria lançado nos cinemas, mas em 2018 a Netflix comprou os direitos de distribuição do filme. Cuarón tinha a ideia desse filme formada em sua cabeça desde 2006, como sua autobiografia, pois o mesmo viveu em Roma, que é um bairro localizado no município de Cuauhtémoc, na cidade do México. O título do longa também faz uma referência ao "Roma, Cidade Aberta", filme de 1945, um precursor do neorealismo do cinema italiano de Roberto Rossellini..
O longa se passa no México em seus duros anos 70, quando somos confrontados com Cleo, uma empregada doméstica e babá de uma família de classe média. Cleo vive em prol dos seus patrões, levando uma rotina diária entre cuidar dos filhos, lavar exaustivamente o chão, recolher o cocô do cachorro e até segurá-lo para que seu patrão possa sair com o carro, ou seja, a sua vida inteira é voltada a servir e acatar ordens!
Cuarón domina a sua arte e nos entrega um longa intimista, forte, refletivo, pesado, incômodo, com uma crítica ácida muito bem construída, tocando em temas muito delicados como o preconceito, a desigualdade social, a maternidade, as perdas, as decepções. Nos confrontando com uma imagem da verdadeira família perfeita, onde tudo é feito rigorosamente dentro do padrão dos bons costumes. Quando na verdade a fachada da família feliz se desmorona, sendo expostos diretamente as perdas e a solidão.
Cuarón está em seu melhor momento, esse filme o define de todas as formas, por ser tão seco, direto, indigestível, verdadeiro, uma obra-prima do cinema mexicano. Uma película em preto em branco, totalmente em espanhol (que por sinal é um idioma belíssimo), que toca em questões sociais mexicanas, como a ditadura e as revoluções que o país enfrentava naquela década. Tudo minuciosamente bem detalhado, bem filmado, bem dirigido, com um toque de genialidade que só o Alfonso Cuarón consegue dar. A forma como Cuarón utiliza suas câmeras é incrível, com focos totalmente parados e em ângulos duplos, mostrando acontecimentos em dois momentos distintos. Como diretor de fotografia ele se mostra muito competente, ao nos mergulhar em uma fotografia em preto e branco, nos mostrando um lado morto e sombrio da sua história, até pelo fato de não haver cores, o que de certa forma simbolizaria a vida. Devo destacar a cena da praia (capa do filme) que possui um plano belíssimo, com uma fotografia de nos fazer chorar.
É muito prazeroso acompanhar um roteiro bem feito, bem explorado, bem idealizado, que possui coesão em seus acontecimentos. Cuarón vai ainda mais longe ao nos imergir em uma trama que não possui uma trilha sonora destacada, o que de certa forma eu achei uma genialidade de sua parte, sendo que o silêncio fala mais alto, a falta de voz e de opinião da protagonista, o transformando em praticamente uma muda que é a verdadeira trilha sonora encaixada no filme. A direção de arte do filme está rigorosamente bem destacada, com detalhes muito bem colocados, como o pôster no quarto da copa do mundo do México de 1970. É muito perceptível o quanto Cuarón está a vontade nesse filme, o quanto ele consegue trazer detalhes que fazem a diferença - como a sua referência a "Filhos da Esperança" na cena do parto de Cleo (por sinal, cena fortíssima e que me deixou triste e angustiado), uma clara referência a "Gravidade", na cena do filme no cinema com os astronautas vagando no espaço.
Yalitza Aparicio faz seu filme de estreia e diga-se de passagem, ela está estupendamente bem! O longa se passa sobre a visão de Cleo, nos mostrando o seu modo de ver e encarar toda situação que lhe era imposta diariamente. Uma mulher triste, vazia, solitária, submissa, que ao meu modo de ver, Cuarón nos deu um claro retrato das inúmeras Cleo que existiu em sua infância e que ainda existem em cada canto desse planeta. Yalitza Aparicio aceitou um papel muito difícil em sua estreia, dando conta do recado com muita maestria e dignidade, nos impressionando com sua forte atuação - meus mais sinceros parabéns!!!
Marina de Tavira foi outra atriz mexicana que me impressionou muito. Marina fez Sofia, a mãe da família que passou por tudo que você possa imaginar em sua vida. Sofia se mostrava uma mulher prepotente de início, até porque essa era a posição que ela adotava, mas com o passar do tempo e seus acontecimentos, a vida lhe mostrou toda verdade, o colocando como patroa e empregada que compactuavam de suas perdas e suas solidões de formas diferentes. Ótimo trabalho e uma grande atuação entregue por Marina de Tavira. Destaques também para o elenco infantojuvenil, que estiveram muito bem encaixados em cenas, conseguindo dar aquele toque de inocência e pureza em meio à uma obra tão avassaladora.
Roma está indicado em 3 categorias no Globo de Ouro 2019 (Diretor, Roteiro, Filme em Língua Estrangeira), sendo a indicação oficial do México para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. E eu vou mais além: também o colocaria na categoria principal da noite - Melhor Filme.
Roma é um filme que consegue ser belo e assustador, lindo e tenebroso, suave e amargo, difícil porém prazeroso.
Pra mim é o melhor filme de Alfonso Cuarón e sua verdadeira obra-prima! SEM MAIS! [04/01/2019]