O imperativo da leveza
por Bruno CarmeloImagine uma vida inteira passada dentro de uma casa. Aos 18 anos de idade, Maddie enfrenta este dilema. Por causa da Síndrome da Imunodeficiência Combinada, ela não pode ficar exposta a vírus nem bactérias, vivendo numa casa luxuosa onde as paredes vidradas tentam transmitir a sensação do mundo exterior. A jovem passa os seus dias navegando na Internet, com livros ou conversando com a enfermeira. Até o momento em que um garoto de sua idade se muda para a casa ao lado, e imediatamente se apaixona pela vizinha emprisionada.
Durante boa parte da narrativa, Tudo e Todas as Coisas se insere no subgênero de “filmes adolescentes sobre doenças ou proximidade com a morte”, como A Culpa é das Estrelas, Se Eu Ficar, Eu, Você e a Garota que Vai Morrer e Como Eu Era Antes de Você. A palavra de ordem é a leveza e nos gestos e ações: a diretora Stella Meghie inclui dezenas de canções indie-folk, trabalha a fotografia com luzes doces e tons pastéis, apresenta personagens cuja variação emocional vai do pequeno sorriso à melancolia moderada: não existem irrupções de choro nem momentos de euforia aqui. Para completar a embalagem, entram em cena momentos de fantasia discretos, como legendas dos pensamentos dos personagens ou reproduções em tamanho real das maquetes de Maddie.
É uma pena que o roteiro não dê atenção satisfatória a Olly, o vizinho apaixonado. Compreende-se a razão pela qual Maddie, isolada em sua casa, se apaixonaria pelo rapaz – ela admite que o amava “antes mesmo de conhecê-lo” – porém sabe-se pouco sobre o garoto de família difícil, vestido de preto e de ar soturno, porém interessado em músicas românticas. O filme adota unicamente o olhar anestesiado da garota em relação ao mundo. Ela se acostumou à prisão dourada em que vive, e a direção segue o mesmo princípio, evitando explorar os espaços da casa, ou representar o isolamento de Maddie pelos enquadramentos. Pelos olhos da diretora, a protagonista parece mais entediada do que doente. Mesmo os raros momentos de risco à saúde se revelam brandos na maneira de filmar.
Isso ocorre porque Tudo e Todas as Coisas não está preocupado com a mortalidade. A doença serve de pretexto para discursar sobre a importância de sair de casa, correr riscos, ter novas experiências, viver amores impossíveis. “Carpe Diem”. A proteção em excesso pode ser um perigo, e mais vale uma vida curta, porém intensa, do que a existência morna de Maddie. O elenco cumpre o desafio proposto: no papel principal, Amandla Stenberg tem os gestos lentos e movimentos tímidos de um animal criado em cativeiro, enquanto Nick Robinson fornece o contraponto, uma imagem de liberdade sugerida em diálogos: ele revela uma suposta compulsão pelo roubo, no entanto torna-se um bicho domesticado perto de sua amada.
Atenção: possíveis spoilers a seguir!
Enquanto se atém à dinâmica do amor ultrapassando barreiras (da doença, da clausura), o filme funciona bem, apesar da previsibilidade. O elemento de distinção ocorre na reviravolta final, quando segredos da mãe (Anika Noni Rose) são revelados. Mesmo que a atitude da personagem seja monstruosa, o roteiro desculpa-a em nome do amor materno. O imperativo da leveza é tão potente que transforma um crime chocante num pequeno deslize. De dramédia adolescente, o projeto se transforma em mais um projeto hollywoodiano disposto a idealizar relacionamentos doentios, após Passageiros, Cinquenta Tons de Cinza e Esquadrão Suicida – mas neste caso, na relação mãe e filha. Tudo e Todas as Coisas possui um coração clemente demais, disposto a tolerar quaisquer atos de seus personagens, mesmo os mais condenáveis.