Melhor em Hollywood
por João Vítor FigueiraAmbientado em três cidades, distintas do continente americano, Personas Humanas é um projeto que exala ousadia. Coprodução Panamá, Espanha e Brasil, o longa-metragem mostra bastante ambição com suas tomadas aéreas pomposas, trama internacional, e intenção de abordar de forma crítica uma masculinidade tóxica enquanto acompanha o submundo do crime organizado. Entretanto, o quebra-cabeças que, no papel poderia funcionar, termina como um objeto sem forma, com dramas subaproveitados e atuações díspares.
Com direção de Frank Spano e roteiro do cineasta em parceria com Pedro García Ríos, o filme acompanha uma impiedosa máfia de tráfico de órgãos que atua nos Estados Unidos sob o comando do "patriarca" Jack (William Kalinak). O principal membro da organização é James (Luis Fernandez), um colombiano que vive há 30 anos nos Estados Unidos e atua na linha de frente das operações. Após um golpe para roubar o rim de uma mulher americana dar errado, o protagonista será forçado por Jack a voltar à Colômbia para conseguir a “encomenda” solicitada por figurões da elite americana. No retorno à América do Sul, James, que agora se identifica mais como americano do que como latino, lida com a tensão de cumprir a tarefa e lidar com questões de seu passado em Medellín.
Para um thriller, este projeto gera pouca tensão, exceto em uma ou outra sequência em que Jack canaliza mafioso violento passivo-agressivo. A atuação de Fernandez no papel de um um sujeito perturbado por seus próprios fantasmas não carrega as nuances necessárias para sinalizar o caminho emocional de seu personagem. E o ator não está sozinho nessa. Há muita canastrice e muitas reações explosivas datilografadas e outras que chegam tarde demais por parte do elenco.
Tão estereotipado por Hollywood, era de se imaginar que o submundo das atividades ilícitas da América Latina fosse representado de forma mais honesta por esta produção feita no sul global. Entretanto, Personas Humanas abusa de clichês ao ponto de resvalar no ridículo. O criminoso João (Roberto Birindelli), de quem James tem de se aproximar em Medellin, é um brasileiro que só anda com camisas de futebol, usa gírias de forma artificial e tem um tosco trejeito de tirar uma caixa de fósforos do bolso (!) e começar a batucar um samba em cenas de tensão. Outro problema é a forma como o roteiro desenvolve mal os principais relacionamentos do filme. A ligação de James com seu filho pequeno, JJ, é totalmente débil. Nada há entre os dois que indique que o protagonista realmente se importa com a criança que quer salvar do controle de Jack.
O uso de características estéticas heterogêneas da direção de Spano também impede que Personas Humanas seja uma obra minimamente coesa tecnicamente. As tomadas aéreas têm um padrão de cor que as demais não tem. Há nítidas diferenças de textura nas cenas internas e externas. Há cenas com a luz claramente estourada sem que isso adicione nenhuma qualidade narrativa ao projeto.
É duro admitir, mas este filme soa como uma versão muito menos inspirada de projetos que Hollywood sabem realizar com muito mais eficiência, o que é uma pena, porque são muito contundentes os caminhos de discussão para onde o filme aponta, especialmente nas cenas de flashback de James.
Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.