Quero ser gringo
por Taiani MendesDetetive marrento chamado Maverick investiga, a bordo de possante homônimo, uma série de suicídios com cara de assassinatos disfarçados. No meio da missão ele passa a contar com a colaboração de uma baterista sedutora que também é jornalista e juntos eles descobrem que os homicídios têm muito mais do que drogas sintéticas envolvidas. Indústria farmacêutica, cartel internacional, congressista estadunidense, frota de caminhões, rede hoteleira e “holy shit, human trafficking too!” (“eita, tráfico humano também” - citando um dos personagens) fazem parte do bolo. Praticamente todo falado em inglês, mas com Passo Fundo como cenário, Maverick: Caçada no Brasil é um filme b hollywoodiano feito por brasileiros. Ou uma ambiciosa produção brasileira feita para norte-americanos. Insatisfatório em qualquer uma das leituras.
Emiliano Ruschel, diretor, produtor e astro que em determinados ângulos lembra Jeremy Renner, aparentemente cansou de esperar uma grande chance no cinema de ação dos Estados Unidos e arregaçou as mangas para fazer seu próprio star vehicle. Sem dúvidas é uma boa amostra de seu talento, provando que ele serve para interpretar gringos, sabe fazer cara de poucos amigos e se empenha fisicamente, ainda que deixe a desejar em termos dramáticos – Oscar nunca foi o objetivo das estrelas do gênero. Como filme, no entanto, Maverick é fraco e a completa falta de identidade só piora a situação. O roteiro de Trinidad Giachino é uma colagem de todas as fórmulas do cinema contemporâneo movido pela adrenalina: troca de tiros, briga mano a mano, intensa perseguição automobilística (as ruas sul-rio-grandenses jamais serão as mesmas e mudar de marcha nunca foi tão barulhento), gente morta retornando, arapuca para o herói... E o romance não poderia ser mais óbvio na mistura de negócios e desejo com bastante desconfiança e beijo na boca como encerramento de discussão.
Americanizado do início ao fim em termos de direção (que até tem seus bons momentos, Ruschel foi estudioso) e decupagem, o longa-metragem começa com a entrada de Maverick no caso, ainda em Los Angeles, e sua viagem para o Rio Grande do Sul sugere uma mudança de ares. Só que ele chega ao Brasil falando apenas inglês, as pessoas na mesma língua o respondem e logo essa é a língua dominante mesmo quando o papo não é com ele. A investigação é na base da observação boa parte do tempo, porém quando o primeiro “mistério” é desvendado toda a rede internacional, que vai saber Deus por que motivo tem Passo Fundo como núcleo, é imediatamente compreendida pelo protagonista. As explicações e conexões vão tão longe que é como se o roteirista estivesse brincando de deixar a trama mais e mais absurda até chegar no limite. Às vezes a trilha sonora genérica de Skyko, que não dá descanso, abafa os diálogos e às vezes mesmo ouvindo bem não é possível entender o que aconteceu, como quando Maverick pergunta por Liz mesmo sem nunca ter sido apresentado à personagem ou ouvido seu nome. Eventualmente o autor da trama reconhece que está difícil acompanhar e faz o protagonista revelar em voz alta seus pensamentos para ajudar o público. Gentil.
Para deixar o filme dinâmico e moderninho, o recurso da tela dividida é usado à exaustão e incrivelmente nunca funciona, apenas dificultando a experiência do espectador. Os embates físicos não são muito bem filmados ou coreografados, mas uma coisa a ser elogiada são os efeitos fantasmagóricos. Fica completamente solta no longa a habilidade sobrenatural do detetive de ver mortes que aconteceram, mas ao menos é algo bem executado em termos visuais.
É claro que a história do investigador justiceiro que quer garantir que nenhum inocente seja morto termina da forma mais clichê possível e ainda deixa gancho para sequência. Fossem as atuações e a direção piores, poderia ser considerado o The Room brasileiro. Não chega a tanto – ou tão pouco –, mas não faz sentido algum em português ou inglês, no Brasil ou nos Estados Unidos.
Filme visto no II Festival Imperial de Cinema de Petrópolis, em outubro de 2017.