A Netflix segue os passos da HBO. Ambas começaram apenas como um canal para divulgação de filmes e séries e, gradativamente, começaram a se firmar como produtoras de seu próprio conteúdo. A Netflix é bem mais recente que a HBO, que já estabeleceu um padrão de qualidade, mas tem procurado de forma inteligente criar certos nichos. Um deles é a produção de documentários. Tanto isso é verdade que na última edição do Oscar, na categoria Melhor Documentário de Longa Metragem, 3 dos 5 indicados eram produções da Netflix.
O documentário é um gênero que muitas vezes não é compreendido como cinema, e confundido com reportagem jornalística. Mesmo aqueles que se dizem cinéfilos costumam menosprezar os documentários, razão pela qual é raro encontrá-los nas nossas salas de cinema, sendo que a maioria chega direto nos canais de TV. Este Amanda Knox, por exemplo, foi lançado pela Netflix simultaneamente para streaming e nas salas de cinema nos Estados Unidos. Provavelmente uma simples tática de marketing, já que para um filme ser elegível para os principais prêmios do final do ano – o que dá bastante visibilidade a um filme – é necessário que ele tenha sido lançado nas salas de cinema de seu país de origem.
Confesso que não conhecia ou não lembrava deste caso retratado pelo filme. Uma complicada investigação criminal que atravessava fronteiras, visto que se tratou do assassinato de uma estudante inglesa, morando na Itália, e tendo como principal suspeita uma jovem americana, sua amiga e com quem alugava a mesma casa. Ainda hoje, passados quase 10 anos do crime, muitas pessoas ainda têm dúvidas sobre a inocência de Amanda Knox e seu namorado italiano, Raffaele Sollecito. Parece que aos produtores do filme, não é o principal interesse determinar a inocência ou não dos suspeitos, mas, principalmente, criticar o papel negativo das coberturas da mídia, em casos de crimes de grande repercussão como esse, o que acaba interferindo nas próprias investigações e no veredicto final.
Amanda e Raffaele, presos por aproximadamente 4 anos, foram finalmente absolvidos pela Suprema Corte da Itália, num longo processo, em que aos poucos foram sendo revelados erros nas apressadas investigações e perícias para apontar os responsáveis. No entanto, os 2 irão carregar pelo resto de suas vidas, a “marca” de uma condenação divulgada pela mídia com grande espalhafato e detalhes – muitas vezes fabricados. Pior que isso, Amanda, principalmente, teve sua vida virada do avesso, chegando ao cúmulo de ver divulgado pelos jornais e compartilhado nas redes sociais, o diário que mantinha enquanto estava presa.
Uma das maiores qualidades do filme é dar voz ao principais envolvidos. Além dos depoimentos de Amanda, Raffaele e da família de Meredith Kercher (a garota assassinada), o promotor italiano Mignini e o jornalista inglês Nick Pisa defendem suas posições. É admirável que os diretores do filme tenham conseguido fazer com que Mignini e Pisa se expressassem tão abertamente sobre o caso. Em suas próprias palavras, vemos o promotor confessar o peso dos preconceitos na sua avaliação do comportamento “suspeito” dos indiciados. E no caso de Pisa, a desavergonhada defesa da imprensa que tem que “vender o seu peixe”, não se importando com a origem ou reputação das fontes e com a consequência para aqueles que tiveram suas vidas publicamente dissecadas.