O general que virou escravo. O escravo que virou gladiador. O gladiador que desafiou o império. Se existiu na última década um crescimento exponencial de filmes que mergulhavam no gênero “espada e sandália”, isto deve-se ao sucesso de Gladiador, produção que propôs esse revival e que não tinha vergonha alguma de beber completamente na fonte de Ben-Hur (1959) e Spartacus (1960), dois dos filmes mais emblemáticos do estilo. Ainda que seja bastante derivativo destas duas produções supracitadas, Gladiador tem méritos que as demais não possuem: conseguir trazer de volta Roma e o Coliseu em toda a sua glória. Ponto para o diretor Ridley Scott.
O roteiro é assinado por David Franzoni, John Logan e William Nicholson e conta a história de Maximus (Russell Crowe), um general fiel aos mandos do César Marcus Aurelius (Richard Harris). Em sua última batalha, o guerreiro só quer voltar para casa e reencontrar mulher e filho. No entanto, o imperador tem outros planos para seu homem de confiança: colocá-lo no poder para que consiga retirar as maçãs podres do império e restituir a Roma sua grandeza. Quem não gosta nada desta história é Commodus (Joaquin Phoenix), filho do César e que almeja ardentemente o trono. Seu desejo é tão intenso que não o impede de matar o pai e roubar o poder para si, não sem antes mandar assassinar Maximus e sua família. O general consegue escapar, mas não a tempo de salvar seus entes queridos. Machucado, desolado e sem propósito de viver, Maximus é capturado e vendido como escravo para o empresário de lutas Proximo (Oliver Reed), que logo percebe o talento que tem em mãos. Maximus renasce como "O Espanhol" e dá alegria ao povo que o observa lutar na arena. Com sua força reabilitada, o ex-general encontra um novo objetivo de vida: vingar a morte de Marcus Aurelius, homem que amava como a um pai, matando o traidor Commodus. Para isso, no entanto, Maximus precisará sobreviver aos combates sanguinários na maior arena de Roma, o Coliseu.
Gladiador recebeu cinco prêmios da Academia, incluindo Melhor Filme, e foi um grande sucesso nas bilheterias. Falando assim, nem parece que o longa-metragem teve um processo complicadíssimo para ser realizado. Em primeiro lugar, o roteiro foi escrito e reescrito diversas vezes, com os atores tendo de decorar as falas no set. Os lugares comuns do script e as diversas frases de efeito irritavam o elenco. Richard Harris se recusava a decorar novas falas. Russell Crowe implicava com o texto. Não queria dizer de forma alguma a frase: “Terei minha vingança, nesta vida ou na outra”. Até que foi convencido por Ridley Scott, ao qual teria dito: “Esse texto é um lixo, mas sou o melhor ator do mundo e consigo transformar lixo em algo bom”. Oliver Reed brigava nos bastidores e nutriu uma antipatia enorme por Crowe. Para piorar, o intérprete de Proximo faleceu durante as filmagens e o roteiro teve de novamente ser mudado e efeitos especiais deram um final diferente ao personagem de Reed. Só por esses problemas e por ter se mantido são, Ridley Scott mereceria a estatueta de Melhor Diretor (que acabou indo para as mãos de Steven Soderbergh naquele ano).
Crowe tinha razão em uma coisa: a profusão de frases de efeito incomoda. “O que fazemos na vida, ecoa na eternidade”, “Ao meu sinal, liberte o inferno”, “Sombra e pó” e todo o tipo de sentença épica que tenta martelar no espectador que estamos vendo um filme grandioso. O romantismo do general que se agacha para sentir a terra da batalha nas mãos é cinematográfico, mas vai de encontro aos planos propagados de Ridley Scott em não cair nos clichês do gênero. Passando por cima disso e dos inúmeros slow motions sem sentido inclusos em meio às cenas mais bizarras (Commodus saindo de sua carruagem merecia um tratamento de imagem daqueles?), o espectador encontrará um épico que vale a pena ser assistido.
Curiosamente, esta relevância tem muito a ver com a performance do (difícil) elenco que Ridley Scott conseguiu juntar. Russell Crowe até pode ser uma ator complicado de se trabalhar, como sempre se ouve dizer, mas sua performance como Maximus é completamente convincente. Temos de acreditar que aquele homem conseguiria liderar uma horda de guerreiros, que teria carisma para ser amado pela plebe, que seria forte o suficiente para enfrentar e vencer os desafios na arena. Crowe nos faz acreditar. Não diria que transforma lixo em algo bom. Mas o ator consegue ser Maximus de forma épica, como o papel pedia. Joaquin Phoenix, por sua vez, dá a seu Commodus uma maneira afetada de príncipe mimado, nutrindo uma paixão incestuosa por sua irmã, Lucilla (Connie Nielsen), e movendo cada peça do seu plano através do ciúme e da insegurança. Ator dos mais talentosos de sua geração, Phoenix é um adversário à altura ao Maximus de Crowe. Os veteranos do elenco Richard Harris, Derek Jacobi e Oliver Reed emprestam sua grandeza aos personagens que interpretam, deixando o filme ainda mais interessante.
Com cenas de batalha muito bem conduzidas e efeitos visuais impressionantes, Ridley Scott conquista o espectador com sua visão de Roma. Ao assistirmos o povo recebendo o pão e o circo e ao nos confrontarmos com o tamanho do Coliseu – e da barbárie que lá recebia – difícil não relembrar das aulas de história, quando apenas ouvíamos falar daquele período. Logicamente, Gladiador não deve ser visto como um retrato fidedigno da época, mas os cuidados da produção nos fazem crer, durante o desenrolar do filme, que estamos sendo testemunhas da História.
Primeiro dos vários trabalhos conjuntos entre Ridley Scott e Russell Crowe, Gladiador marcou para o ator uma grande reviravolta na carreira, quando começou a conquistar mais espaço em Hollywood. Já o diretor nunca esteve tão perto de vencer seu Oscar, ainda que tenha feito filmes melhores no passado (Alien, Blade Runner) e no futuro (O Gângster). Nada mal para um filme complicado de ser produzido, mas nada difícil de ser conferido.