O cinema como pedagogia
por Bruno CarmeloO cinema é arte ou comunicação? Ele deve ser um fim em si mesmo, explorando a sua própria linguagem para fornecer uma visão de mundo, ou usar a popularidade do meio para transmitir uma mensagem útil aos espectadores? A questão revela-se pertinente diante de uma obra como o documentário Hestórias da Psicanálise - Leitores de Freud, visivelmente apaixonado pela psicanálise, mas sem demonstrar o mesmo interesse pelo cinema.
O diretor e psicanalista Francisco Capoulade entrevista uma dúzia de especialistas no assunto, conduzindo sua exposição através de uma divisão didática e linear em capítulos. 90% do projeto é composto de entrevistas, com os convidados registrados na proporção de dois terços do enquadramento, tendo como pano de fundo grandes estantes de livros ou pilhas de livros, em símbolo clássico de erudição. Estamos diante de eméritos conhecedores do tema, numa configuração solene que visa inspirar respeito por parte do público.
Em termos de metodologia científica, as escolhas são plenamente justificáveis. Partindo de indagações amplas (“Por que ler Freud hoje em dia?”, “Existe um povo brasileiro?”), o cineasta encaminha essa exposição desde as primeiras descobertas de Freud aos problemas de tradução, chegando ao desenvolvimento de suas ideias no Brasil e à especificidade da nossa cultura ao acolher estes conceitos. Os professores e psicanalistas entrevistados possuem muito a dizer, com clareza e real interesse pelo tema – mesmo que faça falta a presença de vozes dissonantes, que não se limitem a louvar as qualidades de Freud.
Como cinema, no entanto, Hestórias da Psicanálise constitui um projeto bastante pobre. Mesmo os cineastas mais adeptos dos talking heads costumam trazer algum tipo de interlúdio entre as entrevistas, propondo fricções na montagem, mas Capoulade não quer perder tempo com nada além da psicanálise. As únicas imagens fora dos depoimentos são inserções aleatórias de pessoas caminhando nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Paris e outras cidades. Estes curtos clipes não se desenvolvem, nem produzem qualquer forma de efeito dialético em relação ao conteúdo sonoro.
Em termos audiovisuais, portanto, este é um projeto redundante, no qual a imagem limita-se a ilustrar o som. Talvez o conteúdo do documentário funcionasse igualmente em outras linguagens (livro, podcast, teatro), já que o conteúdo torna-se prioritário em relação à forma. Ironicamente, os entrevistados passam boa parte de seus discursos elogiando o estilo dos textos freudianos, relembrando seu talento como escritor, dotado de narrativa fluida, palavras bem escolhidas e um ritmo próprio. Mas o diretor não demonstra a mesma preocupação com a estética de sua obra.
Seria injusto fazer tais apontamentos apenas a este projeto específico – muitos documentários de teor acadêmico efetuam escolhas semelhantes. Mas incomoda ver um cinema que não pensa o cinema, imagens usadas como meio, e não como fim. Além disso, o interlocutor torna-se difícil de determinar: o projeto deve soar básico demais para pesquisadores do assunto, e excessivamente hermético para leigos. Mesmo assim, Hestórias da Psicanálise deve encontrar seu habitat natural no âmbito educativo. Ele possui conhecimento de sobra - falta apenas se apropriar da linguagem das artes com um mínimo de ambição artística.