O tempo não passa
por Francisco RussoEm 1993, a diretora Alice de Andrade lançou o documentário Lua de Mel. Rodado em Cuba, ele acompanhava 10 casais locais que estavam prestes a se casar e tinham como intenção maior entender como se conheceram e planejaram aquele momento. É claro que, além de conhecer tais histórias pessoais, era no modo de vida em Cuba que a diretora estava interessada, pelas peculiaridades típicas de um país que, ainda, apostava no regime comunista. Vinte anos depois - ou supostamente este período, voltaremos à questão mais tarde -, Alice retorna a Cuba com o objetivo de revisitar tais casais, agora sob a perspectiva da recente aproximação com os Estados Unidos.
Diante de tal currículo, é até natural que este seja um documentário afetivo. A narração inicial, sempre em primeira pessoa, logo escancara tal característica, bem como a felicidade no reencontro da diretora com alguns de seus antigos entrevistados. Entretanto, há fragilidades conceituais importantes dentro da proposta deste longa-metragem, a começar pela escolha de retratar apenas três dos 10 casais originais. O que aconteceu com os demais? Morreram? Se recusaram a participar? Foi impossível localizá-los? Não se sabe, nem há a preocupação em informar. É como se a motivação desta produção, no fim das contas, fosse um mero pretexto para retornar a Cuba.
Dito isto, voltemos aos três casais selecionados. Dois deles ainda moram em Cuba, outro foi para Miami. Por mais que a curiosidade em rever os antigos vídeos traga um momento de nostalgia, especialmente pela felicidade estampada no rosto dos jovens prestes a se casar e a constatação do momento atual do matrimônio, pouco se avança além disto. Alice de Andrade se contenta com o reencontro e uma breve ambientação atual de seu objeto de estudo, sem se aprofundar no que aconteceu ao longo destes supostos 20 anos. As viagens anuais, que passam a dominar o filme em sua metade final, também não auxiliam neste sentido, já que pouco se avança na vida de cada um no período de tempo retratado.
Tamanha estagnação faz com que o foco do documentário se altere, migrando das pessoas para a própria Cuba. A intenção é retratar que o tempo, por mais que passe no relógio, não avança de fato no país. As construções são as mesmas de décadas atrás, os relacionamentos e o modo de vida também. A perspectiva de mudanças em decorrência da aproximação com os Estados Unidos nada mais é do que esperança, ao menos no momento. Todos aguardam por algo novo e, enquanto isso, tocam a vida normal de sempre. Simples assim.
Nesta nova configuração, Vinte Anos se repete. Sem ter o que oferecer de novo, passa a apresentar cenas gratuitas de seu dia a dia, entremeadas por declarações dos tais casais sobre amenidades, apostando no caráter ideológico/emblemático que o local possui. Nada muito diferente do que já foi visto em dezenas de outros filmes situados na ilha de Fidel Castro.
Para encerrar, há ainda uma certa controvérsia em torno do título do longa-metragem. Segundo a própria diretora, são 20 anos que separam seus dois documentários sobre os casais protagonistas. Só que, se o primeiro filme foi lançado em 1993, o reencontro entre diretora e entrevistas aconteceu em 2008 - ou seja, 15 anos. As viagens periódicas de Alice e sua equipe permaneceram até 2015, como o próprio filme ressalta - ou seja, 22 anos. De onde saiu o número 20, é realmente um mistério.
Filme visto no 49º Festival de Brasília, em setembro de 2016.