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    A Mulher Que Se Foi
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    A Mulher Que Se Foi

    O fator do tempo

    por Lucas Salgado

    O cultuado diretor filipino Lav Diaz é conhecido (ainda que pouco conhecido) pelo público cinéfilo por filmes com longa duração. São obras de quatro, cinco e até oito horas de duração. Vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza de 2016, A Mulher Que se Foi possui 3h47 de duração. Ou seja, quase um curta em se tratando do cineasta. Mas o que vale destacar com relação às durações dos filmes de Diaz é que elas não significam um ritmo lento ou contemplativo que muitas vezes é esperado do "cinema de arte".

    A arte de Lav Diaz é a arte de contar histórias. E ele quer contar suas tramas de forma bem desenvolvida, com personagens complexos e com um trabalho único de construção do tempo. O tempo é fundamental na cinematografia do autor. É claro que obras podem ser completas com 80 minutos de duração ou até menos, mas epopeias de vida devem ser tratadas com maior carinho. E é isso que Diaz faz.

    Após passar 30 anos presa, Horacia Somorostro (Charo Santos-Concio) recebe a notícia de que vai ser solta após uma outra mulher ter cometido o crime pelo qual foi condenada. Ela não conhece mais o mundo fora da prisão, seu marido morreu, seu filho está desaparecido. Ela entra em contato com a filha, mas decide se manter, inicialmente, afastada da família. Ela busca vingança contra o ex-namorado, responsável por incriminá-la.

    É curioso pensar que estamos diante de um filme de vingança, no qual a vingança não está no centro da trama. O mais importante é analisar o comportamento humano dos personagens. O foco é em Horacia, mas ao longo da obra vamos estudando as perspectivas de várias outras pessoas, inclusive o ex-namorada, que é uma espécie de vilão.

    Diaz também é responsável pelo roteiro, pela montagem e pela fotografia da obra. Neste sentido, o filme é justamente o reflexo de seu talento. Todo em preto e branco, A Mulher Que se Foi é formado por inúmeras tomadas fixas, nas quais muitas subvertem ideias básicas de linguagem. No início, por exemplo, temos algumas tomadas com boa parte dos personagens posicionados de costas para a câmera. É curioso notar ainda que estamos diante de uma produção sobre uma grande mulher que não conta com um só close no rosto de sua protagonista. 

    Neste sentido, é interessante notar como Horacia na verdade não é uma só mulher, mas várias. No modo de agir, vestir e falar, ela é diferente de acordo com a pessoa com a qual está convivendo. 

    A obra é contemplativa e verborrágica ao mesmo tempo, conta a história de uma mulher ao mesmo tempo em que aborda a situação social local, com várias menções a sequestros e crimes.

    Com pouco menos de quatro horas, o filme dá tempo ao espectador de se surpreender com vários elementos e situações. Por exemplo, já na parte final, podemos conferir algumas poucas tomadas com câmera na mão, que retratam o desespero e agonia da personagem. Há outros momentos bonitos, divertidos e até um momento musical de beleza ímpar, em que Horacia canta "Somewhere", de Amor, Sublime Amor.

    Nunca é fácil assistir à um filme de quase quatro horas, mas é importante destacar que há história para isso. Você não sente o tempo passar. 

    Filme visto durante a cobertura do Festival do Rio, em outubro de 2016.

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