Família de excêntricos
por Bruno CarmeloJulgando pelo cartaz colorido e pela sinopse, podemos imaginar que o personagem principal desta comédia dramática é García Mazziotti (Jorge Denevi), antiga celebridade da televisão e gay assumido, em fase de decadência. Mas a figura central é sua filha, Virginia (Veronica Perrotta), mulher altamente problemática que, após anos sem ver o pai, decide aparecer em sua casa, como se nada tivesse acontecido, para anunciar a sua gravidez.
O início é repleto de estranhamentos: após flagrar o pai com um garoto de aluguel, ela pede o telefone do profissional para contratar os seus serviços mais tarde. Virginia faz selfies a todo instante, sorrindo nos momentos mais tristes. Ela teoricamente aceitou a orientação sexual do pai, mas quando o vê ao lado de outro homem, quebra o presente comprado para ele. Na verdade, temos uma dupla em construções muito distintas: o pai idoso sofre de uma crise evidente por causa do envelhecimento, mas a filha tem atitudes difíceis de compreender.
Isso se deve, em partes, às atuações. Jorge Deveni mostra-se bastante versátil, numa composição extravagante, mas respeitosa, do personagem dândi. Já a filha, interpretada pela diretora Veronica Perrotta, demonstra uma construção frágil: julgando pelo roteiro, ela deveria ser impulsiva e sanguínea, num misto de histeria e bipolaridade. Mas a atriz ostenta uma expressão desinteressada, ausente. No papel, Virginia é uma personagem fascinante, mas sua potência é atenuada pela atuação.
Ao menos, o filme sabe trabalhar bem com símbolos e gags visuais, como as bombas de caramelo, as piadas de “gordo” disparadas ao pai, a etiqueta no vestido e mesmo os golfinhos do título. Las Toninas Van al Este significa “os golfinhos vão ao leste”, mas numa frase popular evocada pelo roteiro, “os golfinhos vão a oeste” é justamente sinal de boa sorte e tempos melhores pela frente. Ou seja, constrói-se uma ideia da iminência do caos através do provérbio e dos golfinhos que nunca aparecem nas imagens. A conclusão também amarra estes elementos de modo orgânico, atribuindo um papel afetivo a cada símbolo.
O retrato do amor e da sexualidade é provavelmente o ponto mais louvável do filme. A homossexualidade do pai é tratada de modo natural, como um fato adquirido e incontestável – algo excepcional no retrato de um gay efeminado. A filha também demonstra uma relação progressista com o sexo e com seu próprio corpo, não sendo julgada pelos casos extraconjugais nem pela maneira como trata o marido. Apesar de alguns recursos fáceis dos dramas independentes, o filme constrói uma relação familiar comovente, coroada pela bela cena final.
Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em setembro de 2016.