Minha conta
    Uma Razão para Viver
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Uma Razão para Viver

    Amor aos pedaços

    por Taiani Mendes

    Jonathan Cavendish, produtor britânico que tem a trilogia Bridget Jones, Crupiê – A Vida em JogoElizabeth - A Era de Ouro e o ainda inédito Jungle Book no currículo, decidiu contar a história de seu pai no cinema e entregou o projeto ao sócio Andy Serkis. Seria o segundo longa-metragem do ator como diretor, mas a ampliação da pós-produção da aventura live-action sobre Mogli, já filmada, transformou em improvável estreia. 

    Uma Razão Para Viver é um melodrama motivacional sobre Robin Cavendish (Andrew Garfield), importador de chá que pega poliomielite no Quênia e perde completamente a capacidade de se mexer, com exceção da cabeça. A questão é a ausência de movimento, cuja captura é justamente a especialidade de Serkis. Praticante de esportes e agitado, o comerciante britânico é desenganado pelos médicos desinformados do fim dos anos 1950 e se entrega, sem vontade de seguir vivendo preso a uma cama. Às voltas com o primeiro filho do casal, Diana Cavendish (Claire Foy) não desiste do marido e tenta convencê-lo a se adaptar à nova realidade.

    Os fatos (e principalmente o título nacional) sugerem um romance intenso e a história realmente tem o amor como ingrediente indispensável, mas não se apoia em sequências melosas. Declarações se dão em gestos e atitudes e em verdade a força do sentimento dos Cavendish só irrompe de forma categórica na reta final do longa-metragem, pois a construção do relacionamento se dá num exagero de elipses. Robin bate o olho em Diana, descrita como “devoradora de homens”, e imediatamente fica encantado. Colhe informações e consegue chamar sua atenção, na cena seguinte já estão num encontro e segundos depois encontram-se casados. Ao público não é oferecida a oportunidade de se apaixonar pela paixão dos dois, apenas aceitá-la estabelecida, o que não é tão fácil especialmente pela economia até de beijos do casal.

    Outro complicador é o fato de Diana ser retratada no roteiro do experiente William Nicholson (Gladiador, Os Miseráveis, Invencível) como basicamente muleta de Robin. À princípio vista apenas como bela e mimada pelo protagonista, ela recebe o mesmo “tratamento” do filme. Objetificada com planos dos pés à cabeça e sem amplo direito a falas no começo, vai ganhando respeito conforme sua resiliência se revela e surpreende o marido, mas ainda assim é impossível saber o que pensa, quem é essa mulher para além da dedicada paixão cuidadora. Aos olhos de Robin ela vai sem escalas de irresistível dondoca para guerreira familiar, o que para o espectador é sintoma de coprotagonista restringida.

    Ao contrário de A Teoria de Tudo, onde a história de amor eclipsava a ciência, aqui a revolução no modo de vida das vítimas de pólio impressiona tanto quanto o sentimento – se não até mais, a quebra de paradigmas médicos tendo a vantagem de ser apresentada organicamente. Serkis, que interpretou personagem parcialmente paralisado pela doença em 2010 e tem uma irmã com esclerose múltipla, se sente à vontade o bastante para fazer sorrir e chocar dentro do delicado tema. Há espaço para o humor autodepreciativo e ateu de Robin, eutanásia, sangue jorrando da traqueia e pacientes totalmente desumanizados, internados em gavetas como se isso fosse algo de excelência.

    Uma angustiante cena de sufocamento é o melhor momento de Andrew Garfield e o elenco coadjuvante predominantemente masculino é bastante confundível - com exceção de Tom Hollander, que dá expediente duplo como gêmeos. Desperdiçando a  oportunidade de assumir riscos, o diretor chega a adotar a câmera subjetiva do ponto de vista de Robin, mas não se demora na proposta desafiadora e o estilo visual preponderante é o conservador óbvio, com a cena já citada e uma perda de eixo como maiores subversões.

    Composto por divertidos e inacreditáveis trechos de road movie e uma história real inspiradora e instrutiva (que no entanto não sana as dúvidas mais práticas sobre a rotina com tetraplegia), Uma Razão Para Viver é mais um entre tantos dramas de época britânicos sem personalidade, porém operante. Seu grande diferencial é a suavização do romance, que em outras mãos certamente engoliria os desafios da vida pós-poliomielite. Assim como o trailer conta praticamente o filme inteiro, o título brasileiro “Uma Razão Para Viver” é um spoiler da maior declaração de amor que ele contém. O original Breathe, do verbo respirar, combina mais com o que é retratado, tanto em termos dramáticos – a obrigatória conexão ao respirador artificial gera algumas das maiores tensões –, quanto rítmicos: começando na afobação, encontrando a cadência ideal e findando na emotiva interrupção.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top