Manual educativo infantil
por Rodrigo TorresUma garotinha invade um porão escuro quando é atrapalhada por dois caracóis falantes, zombeteiros, cantando no ritmo da música-tema de Missão Impossível. "Vocês são caracóis ou caraloucos?", Malva pergunta, fazendo um trocadilho meio sem sentido, típico de uma fase da vida em que a criança faz piadas que só elas entendem e das quais elas próprias riem. Assim, já em sua sequência de abertura, Bruxarias estabelece o seu público-alvo: os pequenos — e tão somente eles, o que não é exatamente ruim. O problema é também haver um limite em termos de ambição e função.
Malva, a protagonista, é uma menina destemida, aventureira, tem um cão que parece gato, e isso foi ensejo para o mercado norte-americano alterar o seu nome e lançar o filme como Caroline e a Poção Mágica — uma picaretagem sem tamanho, associando-o a uma animação de sucesso completamente diferente: o sombrio e complexo Coraline e o Mundo Secreto. Bruxarias se parece mais com O Lorax: Em Busca da Trúfula Perdida, tanto pelo seu colorido, como principalmente por funcionar como um manual educativo para a criançada.
A mensagem ecológica é o que mais aproxima Bruxarias da obra do Dr. Seuss. Sua trama recicla a velha disputa entre a superempresa capitalista e o microempresário de produtos naturais, que esconde sua fórmula mágica (no caso, literalmente mágica) de vilões gananciosos que irão usar algo bom para o mal, visando apenas o dinheiro, mercantilizando espaços e pessoas. Algo bem simplório, transmitido em diálogos expositivos, mastigados como papinha para as crianças absorverem. Os adultos, por sua vez, enfrentarão uma experiência tediosa. O único lapso de criatividade do roteiro, nesse quesito, é atribuir função narrativa à linguagem de sinais. Quando ensina a respeitar os mais velhos, ressalta a importância deles ou discursa que a tecnologia é boa quando preserva a natureza, a preocupação socioambiental ofusca a experiência cinematográfica.
Então, o principal conflito de Bruxarias não se encontra em seu cerne narrativo, mas no choque constante de suas qualidades positivas e negativas. Em dado momento, Malva e o amigo Selu escondem o seu caminhão amarelo, enorme, atrás de uma árvore (?) — o que é de um ludismo incrível e dispensa a trilha sonora óbvia, básica, aborrecida que permeia o longa. E isso é uma pena, pois o texto demonstra criatividade em se manter tão seguro para a garotada, inofensivo, e assim defender a sua função educativa. Desse modo que a mitologia das bruxas, sem ser o tema do filme (mas, sim, o curandeirismo), é ao mesmo tempo explorada e suavizada, ao ponto de um guarda-chuva vermelho de bolinhas brancas substituir a velha vassoura voadora.
Curioso ainda é notar que a diretora Virginia Curiá vai bem em seu longa-metragem de estreia. É mérito seu a animação ser tão simples e cheia de personalidade. Os olhos grandes dos personagens dão conta de sua pouca expressividade, seus poucos traços. A intensidade das cores (predominantemente sólidas), com saturação presente até nos ambientes frios (destinados aos antagonistas), confere vivacidade e complementa a escassez de detalhes dos cenários. No clímax, mocinhos e vilões se enfrentam em lutas disfarçadas em gags físicas, e a violência soa como brincadeira de criança. Não à toa, uma espécie de sabão em barra cor de rosa choque (mais fofo, impossível) é a "arma" usada pelos personagens no final. Enfim, a cineasta espanhola mostra domínio da linguagem do cinema, sobre a sua audiência, contorna as restrições orçamentárias da produção do Moonbite Studios e potencializa as virtudes do roteiro cheio de carências escrito por Anxela Loureiro.