Elogio da forma
por Bruno CarmeloHomem e mulher juntos. Eles cantam para turistas, dividem as moedas da apresentação. Depois, ele está pelado na cama, e ela se prepara para deitar. Por estes indícios, deduzimos que formam um casal, ainda que nenhuma manifestação de afeto seja vista entre eles. O Caminho dos Sonhos é formado por pequenas associações como esta, vestígios possíveis de uma história que nunca se completa. O homem descobre a morte da mãe doente, e na cena seguinte, tenta se enterrar vivo. Mas não o vemos chorando, não conhecemos os detalhes da relação com a falecida para além dos laços de filiação. Em outro momento, uma menina sobe as escadas móveis. Na imagem seguinte, parte de seu corpo está deitado no chão, ao lado do pedaço da escada. Concluímos que caiu.
É curiosa a maneira como este projeto sugere significados sem fornecer as ações que ligariam uma imagem à outra. Somos posicionados antes ou depois de um desastre (morte, acidente, ruptura amorosa), mas nunca durante os acontecimentos. Talvez fosse mais fácil nos revelar o conflito, porém a diretora Angela Schanelec trabalha pelas bordas: quando pai e filho conversam, a câmera se concentra nas mãos dele, segurando uma barra de chocolate. Quando outro personagem faz as malas para ir embora, vemos apenas as mãos arrumando camisetas numa mala. Nada de choro, de gritos, de motivações, de psicologia. O silêncio impera. Os personagens são reduzidos a gestos ínfimos, como se a cineasta buscasse o mínimo denominador comum para ainda produzir significado.
Os atores são igualmente esvaziados de dramaticidade. Seus corpos se tornam inertes, estáticos, enquanto os olhares são vazios. Às vezes, o piscar dos olhos ou a ondulação de um abdome respirando são os únicos indícios de que nos encontramos diante de uma imagem em movimento, ao invés de uma cena congelada, ou de uma fotografia still. Este é o elogio dos tempos mortos, e também do controle: com enquadramentos fixos ou cuidadosamente compostos, num formato de tela próximo do quadrado, a cineasta evita qualquer forma de aleatoriedade, de espontaneidade. Seu mundo é rígido como um quebra-cabeça no qual cada peça tem o seu lugar - nenhuma delas sobra, nem falta. O cinema é visto como exercício cerebral para abolir o acaso.
O resultado impressiona pela artificialidade com que trata temas tão universais como o amor e o sofrimento, ou ainda pela maneira maquínica de lidar com sentimentos desesperados. A experiência não deixa de soar como provocação aos sentidos, uma espécie de teste à nossa fruição das imagens, à fluidez do tempo, à necessidade de termos uma narrativa entregue para nós, ao cinema como forma de escapismo e diversão. Pelo contrário, o espectador encontra algo solene, hermético, posado, dificultando voluntariamente um caminho que poderia ser muito mais simples. Para Schanelec, o interesse se encontra em se perder, em solicitar a nossa atenção a cada passo.
Por mais que, conceitualmente, se trate de uma abordagem válida, capaz de questionar nossa relação com a velocidade das imagens e nossa dificuldade de interpretação, O Caminho dos Sonhos soa excessivamente árido. Composto por muitas imagens belas, ele termina por encantar e entediar na mesma medida: suas composições com luz natural, ou seus grandes planos gerais, raros no cinema contemporâneo, encantam como imagens nucleares, perdidas num conjunto asfixiante, de difícil comunicação. O projeto parte de bons questionamentos estéticos, mas não possui a menor vontade de apontar alguma resposta, uma leitura precisa, uma direção.