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    O Homem Perfeito
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    O Homem Perfeito

    Perfil fake

    por João Vítor Figueira

    Como não existe nenhum texto sem contexto, é interessante fazer um exercício de crítica e pensar em como O Homem Perfeito pode soar anacrônico ao chegar aos cinemas no Brasil de 2018. Em um período em que a sociedade se convulsiona no choque entre o apego retrógrado a um conservadorismo de costumes em choque com uma postura progressista e humanista, é estranho que um filme como este se queira supostamente criticar o machismo tratando a misoginia como alívio cômico e sem nunca decidir se abraça de vez ou repele totalmente estereótipos femininos batidos da ficção.

    Com direção de Marcus Baldini, que tem experiência em filmes estrelados por mulheres (Bruna Surfistinha, Os Homens São de Marte… E É Pra Lá Que Eu Vou), o longa-metragem traz Luana Piovani no papel de um outro tipo de mulher "invisível". A atriz interpreta Diana, uma ghost-writer que se sente escanteada por sua editora por ter que escrever, sem ganhar nenhum reconhecimento, livros sobre celebridades descerebradas. Seu trabalho não traz satisfação profissional, mas pelo menos traz um bom retorno financeiro. O satisfatório contracheque de Diana é o que garante o sustento de seu casamento com o cartunista Rodrigo (Marco Luque), um típico homem-criança que desdenha do trabalho da esposa, uma vez que ela não é uma "artista" que nem ele, e não se preocupa em ganhar dinheiro.

    A primeira coisa pouco crível do longa-metragem é o relacionamento entre Diana e Rodrigo. Quando o roteiro do filme tenta empurrar goela abaixo do espectador que o casamento dos dois termina por Diana ser uma megera-workaholic, as coisas desandam logo na premissa. É inevitável pensar: Por quê ela é que precisa ser vilanizada? Para que investir mais uma vez em um falso dilema raso da ficção de que as mulheres precisam sempre se ver em uma bifurcação entre o trabalho e o amor?

    Após a separação, Diana, aos 42 anos,  fica obcecada em reatar com o ex-marido, que a trocou por uma bailarina de 25 anos de idade, a inocente Mel (Juliana Paiva). O roteiro faz a protagonista repetir, com uma postura estereotipada, o quanto é feminista só para descredibilizar seu ativismo ao colocar Diana em uma rota mesquinha de vingança contra Mel, a quem passa a seduzir com um perfil fake nas redes sociais. O objetivo é desestabilizar o relacionamento da jovem com Rodrigo. Eis outro problema do longa-metragem: o nível de atenção que duas mulheres que aparentam ser tão bem resolvidas em outras áreas de suas vidas dão para um homem que nunca parece tê-las merecido chega a ser irritante.

    A ideia de explorar o catfishing — quando uma pessoa se passa por outra na internet para manipular os sentimentos de terceiros —, é uma proposta interessante. A forma meticulosa como Diana articula sua vingança é apresentada de maneira engenhosa por Baldini, que acompanha todas as etapas da criação de um perfil falso na internet, algo que tem sido recorrente na era dos afetos virtuais. Também é bacana que o filme discuta o que pode ser considerado traição ou não nas tênues dinâmicas comportamentais das redes sociais. Entretanto, as atitudes de Diana contra Mel beiram a crueldade. Não teria problema se ela fosse a vilã, mas é estranho que a suposta heroína do filme — e isso independe do redentivo terço final — passe tanto tempo maquinando de maneira tão impiedosa a melhor forma de manipular outra mulher. A cena em que Diana faz Mel sair de casa no dia de seu aniversário para encontrar seu crush virtual e ficar sozinha esperando é tratada com um deslocado humor. Além do mais, mesmo no campo da comédia, é estranha a maneira como Mel é tratada como uma chacota, uma prototípica menina good vibes que só serve para ser feita de boba, até mesmo quando todo o plano de Diana se revela diante dela.

    Caíque, o roqueiro tresloucado interpretado por Sérgio Guizé, entra na vida de Diana e faz com que o filme engate na cansativa dinâmica dos opostos que se estranham, mas se atraem comum a comédias românticas. Também é difuso que O Homem Perfeito mostre as ações do escrachado machista Caíque com a autointitulada feminista com trivialidade. Por isso ele pode fazer piadas sexistas e ouvir apenas um "ah, você é bobo" como resposta ou tocar na bunda da protagonista sem seu consentimento e isso ser apresentado como uma brincadeira inócua. Seja com Rodrigo, seja com Caíque, Diana está frequentemente se adequando à companhia de homens que não a respeitam.

    O elenco faz o que pode para extrair o melhor de um texto tão confuso. Eduardo Sterblitch, em um papel que não é cômico, consegue dar uma presença moralmente ambígua ao editor Tuto. Luana, mesmo sendo obrigada a fazer as vezes de histérica, também é competente na entrega à personagem. Guizé consegue emprestar algum carisma para o caricato Caíque, assumindo as fragilidades do personagens com propriedade. A brevíssima participação de Dani Calabresa é hilária.

    Em termos estéticos, O Homem Perfeito adota uma linguagem cinematográfica pouco ousada, mas funcional, com seus planos e contraplanos básicos e uma fotografia sem grandes afetações. Vibrante e criativa, a trilha sonora, assinada pelo grupo Instituto, é um destaques do filme.

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