Os gângsteres jamaicanos
por Bruno CarmeloPara a sua primeira experiência como diretor de cinema, o ator Idris Elba parece ter se inspirado de filmes como Cidade de Deus. Yardie traz uma narrativa pop e acelerada, câmeras lentas, narração cheia de ironias, uma trama sobre disputas pelo tráfico nos guetos entre facções distintas, e até um movimento circular de câmera em torno do jovem protagonista negro que lembra, e muito, o filme de Fernando Meirelles. Mas aqui Zé Pequeno é Dennis (Aml Ameen), jovem jamaicano envolvido com a venda de drogas após testemunhar o assassinato do irmão mais velho.
A trajetória do protagonista é embalada numa discussão moral pouco sutil. “Devo seguir pelo caminho correto?”, ele pergunta, após proferir outras ideias puramente retóricas sobre o bem e o mal, sobre a força de vontade e o livre arbítrio. D, como é chamado, ficou cego pela vingança, enveredou pelo mundo do crime, mas a vida é feita de escolhas, e aparentemente nenhum fator social influencia o futuro dos indivíduos além de sua boa vontade. Como numa jornada religiosa de queda e ascensão, Dennis precisa ir ao fundo do poço para dar valor ao “caminho correto”.
Os personagens emanam de um imaginário muito específico da virilidade. Dennis tem um forte sotaque jamaicano, que chama atenção a cada diálogo. Mas ele também é revestido de uma atmosfera bruta, agressiva, normalmente associada aos gângsteres. Além disso, não se trata de um mafioso rico, e sim um morador pobre das periferias, algo que acrescenta outra gestualidade e modo de falar. Somando-se a estes traços, existe a paixão pelo reggae e as energias positivas, o que traz certa descontração e malícia no jeito de falar e andar. São tantas camadas, tantos trejeitos que acabam por transformar os homens desta história em caricaturas da masculinidade, pelo menos do modo como é interpretada pelo cinema de ação. Vemos menos atuações do que performances, no sentido espetacular do termo.
Quando 90% dos seus personagens correspondem à mesma configuração, o ritmo das interações adquire pouco relevo – a composição de Stephen Graham, incluindo mil tiques na boca e nos dedos, beira a comédia. Yardie é pautado por tiros, flashbacks dolorosos, pessoas correndo de mafiosos, enfim, uma sucessão de catarses. Às mulheres, cabe serem esposas e mães, meras figuras à disposição dos homens quando quiserem. A ação é embalada em bastante música, cenas de casas noturnas multicoloridas, movimentos de câmera dinâmicos. Elba se diverte com a violência, torna-a bela e divertida de se ver – algo louvável ou questionável, dependendo do ponto de vista.
O roteiro se conclui com os ensinamentos anunciados desde o começo: drogas são ruins, a violência não leva a nada, é melhor privilegiar a família do que a ambição de enriquecer, e o “caminho correto” está à disposição de qualquer um. É curioso que, para chegar nisso, o filme demonstre um mundo do crime tão sedutor esteticamente, ou seja, tão cool, ágil, acessível. Elba critica a violência enquanto abraça os prazeres da mesma, ele defende que ser um gângster é um caminho errado, mas se esforça bastante para mostrar como a vida de gângster pode ser interessante. Ele não é o único nesta contradição: Cidade de Deus e muitos outros enfrentaram o mesmo questionamento. Para além da obviedade de seu discurso, este cinema de machos alfas precisa refletir sobre a adequação ideológica entre forma e conteúdo.
Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.