Eu me dei este direito: de despertar as células adolescentes que mantém meu organismo em alto-astral e assistir ao tão comentado Eu Fico Loko. Não pelo Christian Figueiredo (confesso que nunca cheguei a ver um vídeo dele até o fim), mas pelo enredo juvenil, pelo elenco bem escolhido e pelo cinema nacional – que vem se tornando uma paixão cada vez maior desde que passei a analisar o audiovisual com outros olhares.
O mais interessante de ver um filme no cinema é que ele começa antes mesmo de a sessão ter início. Explico: aqueles minutos de fila na bilheteria e, depois, para a entrada na sala são recheados de boas aventuras. Teve ilustrador vendendo livro e sendo retirado pela segurança. Teve avó reclamando que não ia ficar duas horas sentada. Teve tia preocupada porque as sobrinhas estavam sem identidade. E teve adolescente. Muito adolescente.
Talvez já fosse de se esperar, mas eu me senti de volta a um intervalo do colégio, com aqueles grupinhos ao meu redor, em suas histórias particulares e gírias inventadas – e eu, encostado na parede, mexendo no celular, buscando respostas sobre como meu eu do passado desabrochou com tudo. Eu, encostado na parede, num canto qualquer de um colégio qualquer, sem amigos para me ajudar na comunicação com o mundo de fora.
Logo um funcionário veio com o recado: devido a um problema técnico com o áudio, a sessão atrasaria uns quinze minutos. Mais quinze minutos olhando para o visor do celular em disfarce para o olhar periférico que registrava, no subúrbio do pensamento movimentado, novas ações, novas situações, novos diálogos. Muitos “tu” e “ti” em vez de você – eu era o aluno novo naquele Ensino Fundamental inventado, banhado pelo calor de Santos.
Entramos. E agora sim: vamos ao filme. A narrativa é dividida em três partes: infância, adolescência e fase adulta. Mas, como toda fração imperfeita, as partes não tinham o mesmo tamanho, o mesmo formato, muito menos o mesmo espaço – e a intromissão do Christian adulto na vida dos Christian criança e adolescente foi uma inferência didática que não causou danos ao filme. A presença do Christian, interpretando ele mesmo, foi o mais assustador ali.
Ignoremos por um instante que o Christian esteve lá. Nada contra o rapaz, repito: nunca cheguei a assistir a um vídeo dele até o fim. Mas até mesmo os fãs mais alucinados compreendem que o moço não avançou no quesito youtuber e continua bem distante da possibilidade de ser considerado um ator mediano. Por outro lado, o Filipe Bragança, que o interpreta na maior parte do filme, mostrou como é que se faz um Christian.
Acompanho o Filipe nas redes sociais e sei do potencial artístico do garoto, sobretudo porque fui fiel aos mais de dois anos de Chiquititas, novela em que ele viveu o personagem Duda. Porém, eis uma coisa que eu não esperava nele: que estourasse a bolha da interpretação e imergisse na esfera da dramatização. Não existiu Duda, não existiu Filipe; existiu o Christian, um Christian que o próprio Christian Figueiredo tem que reconhecer como melhor que o original.
Filipe fez com que eu fosse aos risos (exorbitantes, em alguns momentos) e quase me levou às lágrimas quando, após o pedido de namoro todo mimoso, a namorada apareceu com outro e ainda o humilhou – momentos antes de ele saber do falecimento da avó. O mesmo Filipe que deu vida ao Christian estapafúrdio e destrambelhado transformou-se num Christian que já foi fase difícil da vida de cada um que estava naquela sessão.
O roteiro, ousando dentro do clichê, trouxe tudo que o cinema juvenil contemporâneo precisa. Abandonando o perfeccionismo dos adolescentes de porcelana moldados pelos blockbusters hollywoodianos, Eu Fico Loko fez correr sangue jovem, com direito a bullying, zoeira, palavrão, sem cair na antipatia do politicamente incorreto.
Eu Fico Loko superou minhas expectativas, massacrou meus pré-conceitos com relação a cinema comercial e revelou que a superstição do gato preto não faz mais sentido em se tratando de cinema. Mais que uma historinha água com açúcar, melodrama de cunho escolar ou entretenimento perdido, Eu Fico Loko é uma amostra de que o cinema brasileiro tem colhões para apertar o botão de pausa na hipermídia e levar a geração cibernética para dentro das salas de cinema.