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    Hotel Artemis
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Hotel Artemis

    América sombria

    por Bruno Carmelo

    Bem-vindo a um cenário estranho. Estamos na Califórnia, mas as ruas abandonadas e destruídas lembram um país pobre durante a guerra. O tempo não é o presente, mas também se encontra tão distante: 2028, dez anos à frente. O local onde se passa grande parte da ação não é um hotel propriamente dito, tampouco um hospital tradicional, e sim um lugar secreto onde são tratados apenas criminosos endinheirados e cadastrados – existem regras a seguir, afinal, mesmo entre os foras da lei. Ninguém conhece o Hotel Artemis, mas todos parecem conhecê-lo ao mesmo tempo. Apesar de ser escondido, o estabelecimento possui um enorme letreiro luminoso com vista para a rua.

    Durante pelo menos metade da narrativa, o diretor Drew Pearce coloca o espectador diante de uma indefinição, quase um quebra-cabeça. Somos convidados a questionar a lógica dos lugares, das pessoas, de suas motivações. Para isso, faz do hotel retrô-futurista o personagem principal: neste curioso empreendimento cafona e escuro, os quartos decadentes abrigam a mais moderna tecnologia hospitalar. Por um lado, a realidade política e social, com rebeliões nas ruas e escassez de água, mantém um pé nos tempos presentes. Por outro lado, os órgãos facilmente escaneados por um computador e a permanência de uma enfermeira idosa (Jodie Foster) gerenciando o estabelecimento sozinha beira a fantasia absurda.

    Hotel Artemis é um projeto ambicioso. Primeiro, por mostrar um contexto pós-apocalíptico quase unicamente em interiores, num lugar cortado do tempo e do espaço ao redor. Segundo, por reunir numa única narrativa o humor sarcástico, as cenas de ação sangrentas, o senso de aventura, o thriller policial, a ficção científica e mesmo o aceno ao romance entre alguns dos criminosos-hóspedes. Terceiro, por oferecer ao circuito comercial uma história criativa, sem conexões com nenhuma franquia, nem mesmo vontade de se tornar uma, além de não servir como veículo para nenhum de seus astros brilharem individualmente. Jodie Foster, Sterling K. Brown, Dave BautistaSofia Boutella e mais alguns dividem a cena numa atuação conjunta, de foco múltiplo.

    Mas talvez a visão ainda mais ambiciosa do projeto se encontre no fato de representar os Estados Unidos de modo crítico, apontando o dedo ao amor pelas armas de fogo, ao descaso com os recursos naturais, à violência policial, à arrogância dos norte-americanos em relação ao resto do mundo. Poucos filmes comerciais apontam com tal frontalidade os excessos de uma ideologia imperialista e individualista, conferindo destaque importante ao elenco multiétnico. Talvez tamanha pretensão sucumba ao escopo do roteiro: alguns personagens (interpretados por Charlie Day e Jeff Goldblum, em particular) tornam-se meras caricaturas, e muitas insinuações sociais não ganham tempo para aprofundamento. Pearce realiza um primeiro longa-metragem no qual ideias em excesso são jogadas na tela.

    Ao mesmo tempo, a montagem encontra dificuldade para equilibrar todos os seus núcleos narrativos, de modo que a trama se arrasta um pouco no terço central – o trauma vivido pela enfermeira fica claro muito antes de sua revelação -, até que Sofia Boutella entre em ação numa excelente cena de combate rumo ao desfecho. De qualquer modo, o filme demonstra uma direção elegante e ágil, complexo senso de ambientação, além da crença na possibilidade de combinar os prazeres do filme de gênero com o teor político – elementos muito saudáveis para o nosso circuito de cinema atualmente.

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