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    Alemão 2
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Alemão 2

    Problemas complexos não têm soluções simples

    por Aline Pereira

    Em 2014, Alemão chegou aos cinemas contando a história de um grupo de policiais infiltrados na missão de escapar do Complexo do Alemão, famosa região do Rio de Janeiro que abriga um grande conjunto de favelas. Indicado ao Emmy Internacional em 2017, quando foi transformado em minissérie, o filme envelheceu mal com seus estereótipos e apagamentos de questões e pessoas fundamentais na história. E é justamente aí que a sequência encontra seu grande trunfo: Alemão 2 busca corrigir e lapidar a narrativa, indo além da superfície dos “favela movies”.

    Lançado quase 10 anos após o primeiro filme, Alemão 2 gira em torno da missão de um esquadrão policial comandado por Machado (Vladimir Brichta), enviado ao morro para capturar Soldado (Digão Ribeiro), chefão do tráfico no local. A busca e apreensão do criminoso, claro, é uma tarefa complexa, que ganha ares de “missão impossível” quando o grupo é confrontado por uma facção rival. Durante a fuga, a dinâmica entre os personagens ganha destaque, e o longa dirigido por José Eduardo Belmonte (Carcereiros) mostra toda a sua maturidade.

    Alemão 2 ganha com a diversidade de personagens

    O filme de 2014 tinha como protagonistas um grupo de policiais tipificado e envolto em um clima de heroísmo, que tentava sobreviver ao ataque de inimigos que, por sua vez, eram puramente maus - não havia qualquer distinção entre os moradores da favela e menos ainda qualquer tentativa de dar profundidade a essas pessoas e ao próprio cenário. Eram “outros tempos”.

    Alemão 2 se atualiza e, não só trata com mais cuidado a realidade do morro carioca, mas também traz muitos lados diferentes dentro da própria polícia, sem romantizar a instituição, mas humanizando aqueles que fazem parte dela.

    O personagem de Vladimir Brichta é quem conduz a história: assim como o inesquecível Capitão Nascimento (Wagner Moura), Machado é um policial marcado pelos traumas da violência de sua profissão, mas, diferente do protagonista de Tropa de Elite, escolhe um caminho mais “pacífico”. Orientado a evitar o confronto direto a todo custo, o policial precisa lidar com uma série de questões emocionais e práticas durante a jornada - da atenção à operação a seu “refém”, à obrigação de lidar com a equipe caótica que o acompanha, formada por Freitas (Leandra Leal) e Ciro (Gabriel Leone).

    A dupla é uma dinâmica à parte no filme: Freitas é nova na profissão e mantém seus ideais fortes, ainda pouco endurecida pela realidade terrível que está prestes a enfrentar. Ciro, por outro lado, escolhe a truculência e é do tipo que “primeiro atira e depois pergunta”.

    Os personagens parecem um pouco mais dramáticos do que deveriam para um filme tão realista, mas cumprem à risca a tarefa de expor a diversidade de pessoas que trabalham na corporação. Eles também mostram a falta que faz um bom preparo e o acompanhamento de quem ganha a vida se arriscando o tempo todo. 

    Entre o time de protagonistas, Digão Ribeiro marca presença forte em cena como o traficante Soldado, talvez o personagem com mais camadas e com quem o entendimento acontece mais rapidamente - mérito tanto de sua construção no roteiro, quanto do trabalho sensível e afiado do ator.

    Longe de querer eximir Soldado da responsabilidade pelos crimes que cometeu e pelas escolhas que fez, Alemão 2 mostra o que trouxe o traficante até aqui: fica claro quais problemas a sociedade precisa resolver urgentemente para que menos pessoas sigam o mesmo caminho, que termina mal para todos.

    A relação que se desenvolve entre Machado e Soldado também levanta debates que vão muito além da individualidade das duas pessoas. Sem spoilers, é claro, mas é simbólico o momento em que os dois falam de suas cicatrizes: a do policial à mostra, no rosto, a do traficante, escondida, no corpo. As dores são diferentes, mas algumas são menos vistas do que outras. É esta a dinâmica que derruba qualquer ideia de “herói x vilão” e distancia Alemão 2 de seu antecessor.

    Personagens femininas de Alemão 2 têm força e personalidade

    Vale destacar o trabalho que o roteiro do longa faz com suas personagens femininas: além de Leandra Leal, temos Aline BorgesMariana NunesZezé Motta interpretando mulheres em momentos e com meios de vida distintos, mas que se cruzam em pontos nos quais a sociedade afeta a todas, da necessidade de provar o próprio valor constantemente a questões de maternidade. Mariana, aliás, é ex-namorada de Playboy (Cauã Reymond), do primeiro filme, e, agora, cuida, sozinha do filho dos dois - realidade das muitas mães-solo de crianças que crescem sem a presença do pai. 

    Zezé Motta faz uma participação menor, mas brilhante, e representa a grandeza de mulheres negras periféricas, que, embora não sejam enxergadas muitas vezes, formam a grande base que cuida, alimenta e sustenta muita gente. Não à toa, Zezé é dona de uma carreira de mais de 50 anos na televisão e no cinema: sua presença é tocante e fica ainda mais potente quando contracena com a personagem de Leandra Leal, vinda de um contexto muito diferente.

    Por fim, vale ainda destacar a importância da personagem de Aline Borges na trama: Amanda é que está no comando estratégico da operação policial, papel que raramente vemos atribuído a mulheres na ficção. Com este conjunto de histórias, Alemão 2 torna essas personagens mais do que um apoio para os protagonistas masculinos e elas são também figuras centrais para o andamento da trama - caraterística ainda não tão comum, sobretudo, em filmes de ação policial.

    Alemão 2 traz diversos debates relevantes em um filme só

    O filme é ambientado dez anos após o início das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), projeto do governo do Rio de Janeiro que tinha o objetivo de levar polícias comunitárias às favelas para desmantelar facções criminosas. Ao longo dos anos, o que se viu foi uma continuidade da violência e do número de mortes, resultado da militarização cada vez maior das comunidades. “A polícia do Rio de Janeiro é a que mais mata e a que mais morre”, analisa o ator Vladimir Brichta. Alemão 2 expõe essa tragédia de forma objetiva.

    Ao retratar na ficção uma realidade tão dura e que engloba tantas pessoas, há de se ter cuidado para não tornar a tragédia apenas um espetáculo para o público nas telas do cinema. Nesse sentido, a sequência vai mais longe do que sua antecessora e busca “redenção” da narrativa antiga - em alguns momentos, o esforço acaba tornando a história um pouco expositiva demais e os personagens, muito centrados em suas próprias histórias, não formam uma unidade fechada.

    Entrando nas casas do Complexo do Alemão e no trabalho interno da polícia, o longa é para fazer pensar no quanto o debate sobre segurança pública ainda precisa avançar. De um lado, a corrupção e o descaso com as comunidades fomentam o tráfico e armam criminosos com intenções escusas; do outro, policiais despreparados ou esgotados pelo peso da profissão tomam decisões precipitadas ou agem em benefício próprio.

    Cedo ou tarde, todo mundo sai perdendo. Quer dizer, nem todo mundo, mas quem ganha com isso está bem longe da linha de frente da guerra. Não existem respostas e muito menos soluções simples para problemas sociais tão complexos.

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