Rindo de nervoso pela solidão
por Taiani MendesO público brasileiro viu – e continua vendo - tanto o desenho do Pica-Pau na televisão que a Universal Pictures deduziu que seria bom investimento um longa-metragem sobre o pássaro louco dedicado ao mercado nacional. O estúdio deu o projeto ao especialista em sequências Alex Zamm (O Fada do Dente 2, Dr. Dolittle 5, Os Batutinhas: Uma Nova Aventura), contratou Thaila Ayala para impulsionar a divulgação na mídia local, investiu alguns dólares no CGI e Pica-Pau: O Filme nasceu. Não é tão abominável quanto parecia, não chega a ser bom como poderia. Zamm honra o currículo e entrega uma comédia familiar (quase) na medida para a Sessão da Tarde do século XXI, uma produção solar cheia de piadocas, crianças pouco talentosas e muita cara de telefilme. O colorido pássaro digital totalmente destoante do resto e os efeitos limitados reforçam a última característica.
A trama não tem mistério, Lance Walters (Timothy Omundson, perfeito) é demitido e decide construir uma casa conceitual no terreno que herdou do avô, sonhando depois vendê-la por milhões e sustentar a vida de luxo que leva ao lado da namorada Vanessa (Ayala). Só não contava Lance com a astúcia e a impertinência do Pica-Pau, que mora na área da futura mansão e não está disposto a aceitar os novos vizinhos. A guerra é declarada e os adultos têm duas opções: aturar ou surtar. Tommy (Graham Verchere), filho distante do empreendedor, tem a vantagem da pouca idade (e do inimigo em comum) e acaba se tornando amigão do pássaro. Repetem-se cenas do animal tocando o terror, caçadores buscando vingança, Lance se ferrando e o garoto, que não larga o celular, se divertindo com o caos. “Não sabe brincar, não desce pro play” faz parte da dublagem.
Se a inconfundível risada do Pica-Pau (voz de Sergio Stern) é pouco ouvida, em compensação ele conversa com os espectadores. Sim, Pica-Pau quebra a quarta parede e tal inovação é de longe a melhor coisa do longa, por mais que seus comentários nem sempre sejam inspirados. Os melhores momentos são quando ele reconhece o tema de abertura do desenho e provoca o sadismo do público. A hora em que pede que as crianças não repitam seus atos em casa e se diz “profissional de desenho” é uma tentativa de limpeza de barra insuficiente. O desenho animado sempre foi politicamente incorreto, repleto de ações criminosas executadas pelo protagonista e seria difícil o filme preservar a essência do personagem eliminando seu caráter extremamente violento, porém a explosão da cozinha armada passo a passo é ilustrativa demais para algo destinado ao público infantil e um mero “não repitam isso em casa” não apaga a irresponsabilidade. Bicadas na cabeça não deixam marcas ou tiram sangue, correntes elétricas não matam e compromisso com a realidade não se mostra uma grande preocupação do realizador com exceção da lamentável sequência.
Ainda no tópico “desnecessários” é possível falar de Thaila Ayala. Não pode ser por representatividade que ela está na comédia, pois interpreta uma fútil dondoca que não tira o salto na floresta e é a primeira a jogar a toalha e sair derrotada pelo Pica-Pau. Tão fraca que sequer pode ser considerada vilã, sua personagem não tem qualquer relevância na trama. Até o product placement da Havaianas impressiona mais. Sua atuação pode estar distante do nível “tirando leite de pedra” do expressivo Timothy Omundson, mas ao menos ela não entra na lista de piores do ano como o trio musical infantil. Bonecos seriam melhores.
Quem acha o que o Pica-Pau faz engraçado terá várias chances de rir. Tem piada de peido, de agressão, de tombo, de sujeira, de nudez, de fezes, de burrice, basicamente todos os estilos infantis. Mais preocupado em criar contexto para o passarinho botar para quebrar, o roteiro é bem esquemático e não tem vergonha de apelar com a dupla de vilões idiotas para garantir humor extra. A mensagem de preservação ambiental sugerida no começo nunca chega a ser abraçada e a guarda florestal consegue parecer ainda mais incompetente do que os caçadores Debi e Lóide, uma verdadeira proeza.
“A história não me importa, eu quero é ver o Pica-Pau atazanar”, você pode pensar e, nesse caso, devo avisar que o “deus do caos e da confusão” apronta bastante, sim, mas não escapa da punição e transformação. Traindo o espírito inconsequente do protagonista para transmitir o ensinamento bom esperado de uma produção para a família, Pica-Pau: O Filme forja sentimentalismo onde nunca houve e impõe ao pássaro selvagem a injusta derrota que ele jamais teve no desenho animado. “O passarinho dele é maluco”, como diz um dos personagens, porém nem tanto quanto antes. E o pronome possessivo faz toda diferença.