O discreto charme da esquerda
por Bruno CarmeloJanet (Kristin Scott Thomas) faz parte de um partido progressista, e acaba de ser nomeada Ministra da Saúde. Para comemorar, organiza uma pequena festa em casa com amigos próximos do partido. Além do marido Bill (Timothy Spall), antigo professor de Yale, encontram-se a melhor amiga April (Patricia Clarkson) e seu namorado Gottfried (Bruno Ganz), o casal Martha (Cherry Jones) e Jinny (Emily Mortimer) e Tom (Cillian Murphy), um especulador financeiro que se sente desconfortável ao lado de tantos defensores de causas das minorias.
O grupo constitui um caldeirão anedótico da dita esquerda caviar: são pessoas de classe média-alta, principalmente professores, pesquisadores, teóricas feministas radicais e gurus espirituais. Do humanismo pragmático à vertente neo-hippie, os amigos poderiam se entender pela afinidade de interesses políticos. Entretanto, como a trama carece de conflitos, a diretora e roteirista Sally Potter prepara uma sucessão vertiginosa de crises para os convidados. Em breves 71 minutos, eles revelam seus segredos, suas hipocrisias e começam a se digladiar. Uma arma apontada à câmera, na cena inicial, nos prepara para a carnificina.
The Party não é inspirado numa peça de teatro, mas parece ser. Não apenas pela unidade de espaço (tudo se passa na casa de Janet e Bill), mas pelo fato de os personagens estarem em cena o tempo inteiro. Por puro sadismo do dispositivo, eles não abandonam o lugar, mesmo quando a situação se torna insuportável. Os convidados estão impedidos de partir porque seu propósito de (auto)destruição ainda não foi cumprido. Existe nesta comédia um tom absurdo, típico de Buñuel e seu O Anjo Exterminador, que também se assemelha a produções como Deus da Carnificina e Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Mesmo assim, para não soar excessivamente teatral, o projeto aposta em enquadramentos próximos dos rostos, movimentação ágil da câmera e um preto e branco contrastado.
Por mais engraçados que sejam os diálogos afiados do grupo, o resultado não deixa de transparecer a construção evidente dos estereótipos. Os personagens em cena são definidos por uma característica única, explorada à exaustão: April é cínica, portanto dispara frases de efeito mordazes a cada dois minutos (para o delírio do público em Berlim, vale dizer); Gottfried é um tipo místico, propondo referências a meditação e espiritualidade antes mesmo de dizer bom dia; Janet é racional e pragmática, de modo que evita bater no marido mesmo quando está furiosa, porque isso não condiz com seus princípios. Eles são caricaturas, e mais do que isso, funcionam como arquétipos dos tipos sociais que representam.
Como crônica política e crítica social, talvez o resultado seja modesto. Mas Sally Potter entrega uma comédia divertida, consciente do alcance limitado de seu mecanismo. Por um lado, é ótimo ver atores do calibre de Kristin Scott Thomas e Patricia Clarkson se atacando em cena, ainda que as atuações estejam um grau acima do realismo – Timothy Spall, em particular, beira a loucura com seus olhos revirando a cada segundo. Por outro lado, é uma pena que os personagens não possam ser mais bidimensionais. Não existe espaço para o realismo nesta fábula cruel sobre a vida adulta.
Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.