É curioso como em tempos onde ainda surgem grupos apoiando causas racistas e fascistas seja mais fácil de entender o peso que um homem como Franz Jägerstätter precisou enfrentar durante a segunda guerra mundial – este mais novo trabalho do lendário Terrence Malick nos faz refletir imensamente sobre a moral e os princípios de um ser humano, que diante de uma situação que lhe causa total aversão, prefere jamais estar do lado dos opressores – que, nem em pensamento ou fingimento, consegue se aliar a causas que ele julga ser intragáveis – e são, obviamente – pois já sabemos hoje toda a dimensão de horrores e atrocidades que o nazismo cometeu.
Se no mundo atual ainda enfrentamos mazelas dolorosas disso, ao menos, podemos nos julgar livres o suficiente para nos manifestarmos contra lideres totalitários ou fanáticos que assumem o poder e tentam alienar a população – evidentemente, que em certos lugares do mundo não é tão simples assim ainda hoje – mas, para quem vivia na Áustria do começo da década de 40, era praticamente impossível se posicionar contra o regime que Adolf Hitler impôs aos austríacos – o personagem de August Diehl se vê nessa situação – fazendeiro e agricultor em um pequeno vilarejo da região, além de ser casado com sua amada esposa Fani (Pachner) e terem três pequenas filhas, ele vê sua vida mudar totalmente ao ser convocado para lutar na guerra junto dos soldados alemães nazistas – indignado com as imagens que via da opressão que os exércitos de Hitler impuseram ao povo europeu, Franz se coloca totalmente contra ao regime, abalando a convivência com seus vizinhos e logo sendo condenado a prisão e ao corredor da morte pelo governo alemão – fazendo sua família também entrar em um doloroso processo, por acompanharem a sua dor e sofrimento de não ser compreendido por sua decisão de jamais aceitar a doutrina nazista.
Como é de costume em sua rica filmografia, Malick (que também é o autor do roteiro, baseado na real história de Franz) consegue extrair inúmeras passagens reflexivas, principalmente ao captar as belíssimas paisagens do vilarejo austríaco – inserindo a natureza, com suas rochas, montanhas e vegetação, como um personagem ou, evidentemente, uma representação de Deus sobre a vida de Franz e sua família, que são católicos devotos – e torna-se sempre curioso o uso de lentes nas câmeras que fazem os personagens parecerem tão grandes quanto as paisagens que os cercam – as cenas de Franz e Fani nos campos são exemplos disso – da mesma forma que Malick mantem está lógica ao empregar o mesmo tipo de enquadramento quando o personagem de Diehl está na prisão – resultando no efeito de claustrofobia e tensão pela morte que parece estar o aguardando.
O elenco ajuda a manter este tom dramático coerente – principalmente pela atuação contida, mas eficiente de August Diehl, que faz de Franz um homem pacato e simples, mas com uma grandeza de espirito que o torna, de fato, alguém que se sobressai à tentação do mal a sua volta – mesmo tendo chances de fingir que apoia o regime nazista, apenas para sobreviver, isto é algo que ele jamais consegue aceitar – e a atuação sem exageros de Diehl deixa isso bem claro – até mesmo no desesperador final do personagem – enquanto isso, Valerie Pachner acaba também seguindo a mesma linha de atuação mais introspectiva, ao retratar a luta de Fani, para cuidar da fazenda e sustento das filhas, apenas com a ajuda de sua irmã Resie (Maria Simon) – a atriz capta perfeitamente a angustia de saber que a morte espera seu marido e, que mesmo ela sendo extremamente fiel aos valores do companheiro, jamais deixa passar a esperança de que seu amado volte vivo para casa – algo, de fato, tocante – principalmente através das leituras das cartas que trocam um para o outro – revelando seus pontos de vistas, valores e morais.
Além disso, para exemplificar que suas crenças religiosas não são extremas e irracionais, Malick insere conflitos entre os personagens que mostram como isso os afetam – como os moradores do vilarejo que passam a maltratar Fani pelo fato do marido ser visto como traidor – demonstrando como a moralidade religiosa da população em nada serve se apoiam causas opressoras, além do posicionamento da igreja local, totalmente influenciada e controlada pelos alemães – aliás, a mesma instituição considerou o personagem de Diehl como um mártir, após o termino da guerra – ou ainda quando Franz é questionado por um companheiro de cela da existência ou não de Deus – ainda há a participação (em seu último trabalho, pois faleceu após as filmagens) do veterano Bruno Ganz, que interpreta um militar nazista, que acaba questionando Franz e a si próprio pela moralidade da situação em que o fazendeiro se encontra.
É fato que as passagens lentas ajudam na intenção do cineasta em fazer refletir sobre o dilema dos personagens e, por si só, a história de Franz já é algo incrível e emocionante – porém, Malick toma algumas decisões que transformam Uma Vida Oculta em filme de quase três horas... que faz você sentir que tem quase três horas! É visível a intenção de retratar a história de um jeito bastante intimo, porém, diversos momentos tornam-se repetitivos – e as narrações em off, das cartas trocadas entre Franz e Fani, acabam também por entrarem nesse ciclo – deixando muitos momentos óbvios e cansativos – apesar do esmero do trabalho de fotografia de Jörd Widmer e dos bonitos acordes de violino da trilha sonora de James Newton Howard, tais recursos estéticos e técnicos soam, no fim das contas, como meros exibicionismos – o que nos faz imaginarmos se um corte de pelo menos uma hora não faria mais eficácia ao projeto. Sem falar que a decisão de colocar os personagens austríacos falando em inglês e os alemães em sua língua original, soa quase que como um insulto a inteligência do espectador, deixando vários momentos implausíveis – principalmente a cena do julgamento.
Enfim, em meio de algumas decisões questionáveis de seu grande realizador – que já fez filmes de níveis estelares como Atrás da Linha Vermelha e A Árvore da Vida – Uma Vida Oculta ainda é um filme apropriado ao momento em que nossa sociedade vive atualmente – afinal, a trajetória de Franz Jägerstätter não pode nunca ser esquecida – um símbolo de alguém que não sucumbiu à opressão de governos racistas e totalmente intolerantes – algo que é perfeito de ficar em nossas consciências para não baixarmos a cabeça para o que temos de enfrentar agora e daqui para frente – como dito pelo pai de Fani (Matthes), “Sofrer uma injustiça é melhor do que causar uma” – diante de fascistas e nazistas, não podemos esquecer que nada vindo deles será justo, portanto, mesmo que a luta seja difícil e penosa, nada é aceitável para admitirmos a postura desses movimentos monstruosos – mesmo que para tentar evitar isso, alguns precisem abdicar de sua paz e até mesmo da própria vida.
Possivelmente, o único e triste consolo ao sabermos de tudo que Franz e tantos outros passaram é imaginarmos e lutarmos para que um dia isso não exista mais.