A rainha mimada
por Francisco RussoPor mais que tenha no currículo grandes filmes do porte de Ligações Perigosas e Alta Fidelidade, Stephen Frears é um diretor instável, capaz de realizar bobagens como O Segredo de Mary Reilly e O Dobro ou Nada, o que sempre coloca uma certa dúvida a cada novo trabalho. Com Victoria e Abdul - O Confidente da Rainha, o diretor atinge um novo estágio: não só mais uma vez entrega um filme frágil e estereotipado como, ainda por cima, repete sua própria filmografia. Afinal de contas, trata-se de seu segundo filme sobre uma monarca britânica - após o ótimo A Rainha -, onde mais uma vez trabalha com Judi Dench - depois do bom Sra. Henderson Apresenta - e ainda por cima apresenta uma cena de canto que nada mais é do que uma cópia escancarada de Florence: Quem é Essa Mulher?. Ou seja, originalidade passa longe desta produção.
Investindo forte no choque cultural entre uma Londres que é o centro da civilização ocidental e uma Índia ainda colonizada, o longa-metragem se baseia especialmente nas futilidades da corte britânica. Mais exatamente na figura da rainha Victoria, que, aos 81 anos, é paparicada de todas as formas possíveis. Absolutamente tudo gira em torno de si, a partir de regras rígidas de comportamento que incluem, até mesmo, auxílio para se vestir. Tamanha burocracia provoca também um tédio imenso, que faz com que a monarca apenas tenha prazer quando vê diante de si um prato de comida - devorado com rapidez, de forma a (tentar) provocar algum riso com tal particularidade.
O universo em torno da rainha Victoria é construído pelo diretor de forma absolutamente estereotipada: todos ao seu redor ou são puxa-sacos ou mal-humorados (ou ambos), de forma a rapidamente provocar um contraste com o sorridente e simpático Abdul, que, obviamente, logo cai nas graças da monarca. O problema não é nem propriamente tal aproximação, mas como ela acontece: a ambientação em torno da rainha é tão infantilizada, repleta de tantos caprichos, que relega a segundo plano a importante questão da xenofobia existente em pleno século XIX. Por mais que até levante tal bandeira, Frears parece mais interessado em fazer rir a partir de situações bobas envolvendo ícones tão venerados quanto contestados, como a realeza britânica.
Diante de tal proposta conceitual, o que resta a Victoria & Abdul é o bom trabalho de seus protagonistas. Se Ali Fazal surge de forma correta, com o carisma necessário que o personagem exige, Judi Dench é o grande destaque do elenco, em cenas sutis que ora escancaram a fadiga por tamanha paparicação, a empolgação com o sopro de frescor trazido pelo novo amigo, a revolta diante da fúria preconceituosa da corte ou mesmo a tristeza, devido ao seu momento de vida. Por mais que esteja longe de seus melhores trabalhos, Dench consegue dar humanidade e dignidade à sua rainha Victoria, de forma que o espectador se afeiçoe a tal personagem - mesmo que haja, ao seu redor, tantas bobagens narrativas.
Em um filme de abordagem preguiçosa, por se ater a maniqueísmos em torno de personagens de lado a lado, Victoria & Abdul sobrevive apenas graças ao talento de Judi Dench. Na busca pelo exótico como meio de entretenimento, há até mesmo uma frase no melhor estilo Forrest Gump, daquelas para servir de slogan ao mesmo tempo que traz uma suposta profundidade: "A vida é como um tapete, onde os fios precisam ser entrelaçados para criar um chão". Assim é o filme a todo instante, tentando tratar de assuntos importantes a partir de uma superficialidade que, em vários momentos, beira o irritante.
Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.