Retratar momentos históricos no cinema não é uma tarefa tão simples, isso é fato. Dependendo da abordagem de roteiristas e diretores os resultados podem distorcer ou dar uma nuance errada sobre os acontecimentos, principalmente se o espectador não tiver muito conhecimento sobre a história. Para descrever como foi a importantíssima batalha em alto mar, próxima da ilha de Midway, o diretor Roland Emmerich toma a feliz decisão de não estereotipar os inimigos dos Aliados, os japoneses – existe uma certa imparcialidade em retrata-los e isso é um ponto positivo, embora os orientais sejam mostrados apenas como coadjuvantes – ainda assim, é algo honesto, tendo em vista que o diretor já demonstrou em sua modesta carreira um patriotismo exagerado e até forçado (vide Independence Day ou O Patriota, por exemplo), que poderia “demonizar” os supostos “vilões” da trama.
Este momento decisivo para o destino da segunda guerra mundial já foi retratado em filmes como Tempestade no Pacífico (1960), A Batalha de Midway (1976) – versão mais famosa, estrelada por Charlton Heston e Henry Fonda – e Battle of Midway (2011), uma produção japonesa – apesar desta nova encenação tentar ser correta em todos os seus aspectos, é evidente que existe uma falta de esmero e até mesmo criatividade para embalar sua história e tornar criveis seus personagens, quase todos inspirados nas figuras reais que participaram do conflito – algo que só não se torna enfadonho porque a grande maioria do elenco é composta por atores talentosos, realmente.
Midway começa mostrando as relações do membro da inteligência norte americana, Edwyn Layton (Wilson), com um dos lideres do Império Japonês, o almirante Yamamoto (Toyokawa), em 1937 – ambos já temiam um conflito entre suas nações – algo que se confirma em 1941, quando os japoneses atacam Pearl Harbor e os Estados Unidos entram oficialmente na guerra, tramando um contra-ataque na baia de Midway, ponto estratégico no pacifico, onde os investigadores dos Aliados suspeitam de uma manobra do exercito do Japão – se organizando em seus porta-aviões e com pouco tempo para se preparar para a batalha, os oficiais, pilotos e soldados norte americanos são retratados sob o ponto de vista de alguns deles, como os Almirantes Nimitz (Harrelson) e Halsey (Quaid) e os pilotos McClumsky (Evans) e Dick Best (Skrein) – em meio a seus anseios e preocupações com o destino da guerra e suas famílias.
Como citei antes, o elenco do longa se sobressai aos retratos simplórios de cada personalidade – o destaque fica por conta de Patrick Wilson, demonstrando sua vontade e ambição em sua missão de alertar as autoridades e superiores sobre as manobras dos japoneses – ele se culpa por não ter conseguido convencer o exercito de que Pearl Harbor seria atacado; merece alguma menção a forma como o Dick Best (creio que esse nome não é traduzido na versão brasileira por motivos óbvios) de Ed Skrein muda seu comportamento, de alguém arrogante e presunçoso para o perfil de líder e de dar esperança para seus companheiros – além da preocupação com a falta de contato com a esposa (Mandy Moore) e sua filha – contando ainda com coadjuvantes de peso, como Dennis Quaid – numa composição “clássica” de militar grosseiro – e Woody Harrelson – o longa ainda dá espaço para coadjuvantes de luxo, como a curiosa participação de Aaron Eckhart – a aparição de seu personagem funciona para mostrar sutilmente como os chineses foram prejudicados durante a guerra – e a sutil atuação de Etsushi Tokokawa situa bem a forma mais ponderada dos oficiais japoneses, sem jamais banaliza-los ou estereotipa-los, como tantos outro filmes já fizeram.
Tudo isso é uma grande pena sabendo que Midway fracassa justamente em seu maior elemento: a ação. Com um orçamento não tão alto, se comparado a outras produções de grandes estúdios, fica evidente certas limitações de filmagem – repare como a reconstituição do ataque a Pearl Harbor é incrivelmente diminuta e tem um uso exagerado do famoso “fundo verde”; sem falar que até mesmo as chamas criadas digitalmente se mostram falsas, como quando um marinheiro tenta apagar o fogo em sua calça ou quando algumas explosões ocorrem – 17 anos atrás , em Pearl Harbor, Michael Bay conseguiu recriar de forma muito mais enfática um dos momentos mais importantes da segunda grande guerra – e se um filme de Michael Bay tem atributos melhores que o filme em questão agora, isso é um sinal terrível de que a equipe de efeitos especiais não tinha muita opção para criar suas cenas – o excesso de CGI nas cenas de voo também incomoda, tirando o realismo das cenas – salvando-se por alguns momentos mais intensos, principalmente no terceiro ato.
A verdade é que Emmerich não consegue transmitir a urgência da trama – ele opta por cortar momentos de batalha para cenas de dialogo, sem uma estrutura linear que garanta uma progressão de ritmo coesa – o que torna o meio da história parado, lento – quase que suave – algo que deixa a desejar, tirando o drama real das situações – ou seja, os conflitos internos dos personagens não parecem autênticos por si só – dependendo, como citei antes, do elenco – mesmo nos lembrando de estruturas de filmes de guerra clássicos, como A Ponte do Rio Kwai ou Iwo Jima, Midway não nos traz nenhum momento impactante como a batalha do Dia D em O Resgate do Soldado Ryan, ou a ação desenfreada de Falcão Negro em Perigo e nem o clima pesado e dramático de obras como Apocalypse Now ou Platoon – sem falar que o fato de não querer mostrar os ferimentos dos soldados de forma mais explicita – só para garantir uma censura branda para o filme – tira o realismo de inúmeras cenas – mesmo erro que Christopher Nolan cometeu em seu Dunkirk.
Desperdiçando um grande elenco, este filme mostra que um momento da história tão importante precisa de melhores atributos artísticos para soar verdadeiro na tela do cinema – isso será facilmente notável quando os créditos finais mostram os destinos de cada um dos personagens – único momento comovente depois de cerca de duas horas e quinze minutos de um desenvolvimento simplista, lento e com toques do velho patriotismo estadunidense que seu medíocre diretor quer sempre inserir (sem necessidade) em seus trabalhos.