Olhe com mais atenção
por Barbara DemerovA frase "nem tudo é o que parece ser" se encaixa perfeitamente nesta trama sobre amor, perdas e danos psicológicos. Um Amor Impossível (que possui o mesmo título que o original, Un Amour Impossible) não implica somente na história de uma mulher que não conquista absolutamente o homem que amou por anos, mas também envolve inúmeras reflexões sobre o papel da mulher como indivíduo nas décadas de 50 e 60, assim como a importância de um status social alto que implique no favorecimento do homem no matrimônio.
Sob a narração da personagem Chantal (Jehnny Betty), fruto da relação de Rachel (Virginie Efira) e Philippe (Niels Schneider), o longa, ora romance, ora drama, se move através da constância de suas palavras sobre o passado e também da marcante presença de Rachel. Há espaço para a construção do breve romance (seguido por um longo período de idas e voltas) entre a protagonista e Philippe, burguês acostumado a viver sem rotina ou compromisso. Apesar de inicialmente demonstrar sua paixão por Rachel, o jovem não mede sua sinceridade à apaixonada - especialmente quando ela se vê grávida e ele reafirma sua intenção de nunca casar ou se comprometer a alguém.
É através deste drástico relacionamento vivido por duas pessoas completamente diferentes, mas unidas por uma paixão destrutiva (de um só lado), que observamos a ausência do homem e a vida pacata da mulher. Ao criar sua filha longe da cidade e esperando visitas esporádicas do pai da criança enquanto se comunicam por cartas, Rachel ainda assim custa a enxergar a verdadeira natureza de Philippe. Sempre escancarando seu egoísmo e vaidade, o espectador não é surpreendido quando, com Chantal já com mais de 10 anos, o personagem surge casado com uma mulher de família rica.
No entanto, por boa parte da narrativa (seja com Chantal criança ou adolescente) Rachel permanece na luta para que Philippe reconheça a filha no cartório para que, assim, ela possa ter seu sobrenome. Ao mesmo tempo, também fica no ar que a protagonista utiliza esta ideia como pretexto para que seu amante casual apareça. No entanto, em todas as cenas entre mãe e filha fica explícito o amor que ronda aquele lar - mesmo com a rejeição do patriarca e o semblante de exaustão da figura materna ao compreender, aos poucos, que Chantal e Rachel são apenas excertos de uma vida que Philippe apenas quer experimentar, e não viver por inteiro.
Mas a surpresa vem justamente desta exaustão e repetição de eventos e escolhas que Rachel inicialmente se alicerça. Em seu último terço de filme, após salientar as diferenças do campo e da cidade através da bela fotografia, Um Amor Impossível vai além do romance irreal para focar profundamente na relação das duas mulheres. Ao inserir um plot twist chocante e revoltante, mas que se faz presente gradualmente em algumas sutilezas (como no olhar de Philippe ou nas reações violentas de Chantal), a história praticamente se transforma, como se o romance abordado anteriormente fosse assoprado para longe - tudo para dar espaço a diálogos fortes sobre maternidade e, principalmente, abuso físico e psicológico. Com sua personagem observando tudo e, ao mesmo tempo, presa ao passado, a atuação de Efira se mantém sublime do início ao fim, com destaque aos momentos em que diz muito com o olhar.
Com uma narração que cresce e se encontra no presente, Chantal e sua mãe agora nos são apresentadas como pessoas machucadas pelo tempo, com o roteiro propositalmente tirando Philippe da linha de frente para que ambas permitam se entender. Se uma ainda precisava de um empurrão para que compreendesse sua própria realidade oculta pela cegueira do amor, a outra acaba por ser o impulso necessitado. Um Amor Impossível se converte de romance para o estudo sobre relações e comportamento humano - além de nos mostrar a capacidade das pessoas não enxergarem algo que está à sua frente por puro medo da resposta.