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    O Nome do Meu Irmão É Robert e Ele É um Idiota
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    O Nome do Meu Irmão É Robert e Ele É um Idiota

    Filosofia e violência

    por Bruno Carmelo

    Neste drama, o diretor Philip Gröning parte de um desafio: como filmar a filosofia? Como discutir o tempo, a consciência e o livre arbítrio em imagens? A solução encontrada foi bastante radical. No primeiro terço desta história de três horas de duração, acompanhamos uma tarde na vida de dois irmãos, Robert (Josef Mattes) e Elena (Julia Zange), sentados num campo verdejante em frente a um posto de gasolina. Eles estudam filosofia, porque a prova da garota na escola está se aproximando. O tema principal é a permanência. Como os animais percebem o tempo? De que maneira a consciência humana influi na essência do tempo?

    Para tornar a experiência mais instigante, o filme faz opções muito singulares. A primeira delas é diluir a discussão teórica no relacionamento cotidiano dos irmãos. Gröning filma muito bem as provocações, a infantilidade de ambos, as apostas que fazem nos momentos de tédio, a decisão de beberem cerveja enquanto estudam. A interação entre ambos é realista, plausível. Nestes diálogos, compreendemos bem o relacionamento com a família, os dilemas sexuais – ele acaba de fazer sexo com a melhor amiga dela – e a intimidade com o espaço do posto de gasolina, pertencente à família dos jovens desde que nasceram.

    A segunda solução é de ordem imagética. Para representar a abstração filosófica, o diretor recorre à natureza, aproximando a sua câmera dos pequenos insetos na terra, da grama, dos cabelos esvoaçantes. Depois, subitamente, opta por uma ampla imagem aérea, captada com drones. Nunca se vê o simples plano de conjunto, o plano e contra-plano. Gröning investe em articulações desconcertantes, inesperadas, que solicitam constantemente a atenção do espectador. Ao invés do existencialismo professoral e solene de Terrence Malick, por exemplo, este filme permanece com os pés fincados no real, expondo suas dúvidas ao invés de suas certezas.

    Em função do naturalismo, o segundo terço da história adquire um impacto notável. My Brother’s Name is Robert and He is an Idiot abandona a conversa para passar à prática. As sugestões evocadas no início – possível incesto, estupro, surtos de violência, depredação da loja – são concretizadas de um modo ou de outro. O que é real? Se eu pego uma arma de brinquedo e aponto para meu irmão, ou se pego uma arma real e aponto para o funcionário da loja, qual é a diferença? Qual é a diferença entre matar um grilo e matar uma pessoa? Por que Elena pode transar com qualquer homem em seu caminho, mas não com o irmão?

    As perguntas parecem tão óbvias quanto complexas. O filme dedica-se a filmar o infilmável, aquelas coisas sobre as quais ninguém fala porque deveriam ser óbvias, fazer parte do bom senso. Mas quem determina o bom senso, afinal? Após a elegância dos belíssimos planos na natureza, partimos a um segmento punk, sangrento, voluntariamente apelativo. Um dos aspectos mais radicais desta parte central da narrativa é sugerir que a agressividade de Robert e Elena serve de aprendizado. Eles ainda estão, de alguma maneira, estudando filosofia. Obviamente, cometem uma infinidade de crimes, mas estão reclusos numa bolha amoral, privados de qualquer perseguição. Esta é uma oportunidade para praticarem em segurança o que as regras legais e morais da sociedade não permitem.

    No terço final, Gröning retorna ao campo, à filosofia. Primeiro veio a aula teórica, depois a aula prática, e agora tiramos as conclusões do encontro entre ambos. Ou então esta seria uma estrutura hegeliana de tese, antítese e síntese. O ritmo se acalma e o filme torna-se metalinguístico, analisando suas próprias imagens. De que maneira a overdose de sexo e violência reflete o tempo? O livre arbítrio? A consciência humana? Que imagem os irmãos, afeitos às brincadeiras teatrais, criaram um para o outro, e qual a responsabilidade do diretor diante destas imagens? A narrativa tem plena consciência de seus conflitos, e se resolve, justamente, numa sala de aula. Através de recursos de montagem, Gröning reflete sobre causas e consequências, crimes e castigos, sobre o antes e o depois dos personagens e dos espaços.

    Ao final, quando Elena retoma os temas evocados no início, estes adquirem um significado muito diferente para o espectador. Além de ser desconcertante, original e inesperado, My Brother’s Name is Robert and He is an Idiot é capaz de demonstrar distanciamento sobre suas próprias imagens, modificando-se e reconfigurando-se ao longo de uma única narrativa que, por mais chocante que seja, permanece linear e cronológica. É como condensar a ideia, a prática e o debate num projeto só.

    Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.

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