Cinema de afeto
por Lucas SalgadoConhecido pelo trabalho em Tangerine (2015), todo filmado com câmeras de celular, o diretor Sean Baker chega agora com seu mais novo longa: Projeto Flórida. Mais uma vez, o cineasta trabalha com pouco dinheiro, mas muita originalidade. Embora conte com uma fotografia mais tradicional, o diretor ainda mantém um clima de amadorismo e marginalidade, no bom sentido, é claro.
Todo passado no subúrbio de Orlando, na Flórida, em uma área com muitos hotéis e complexos baratos, o filme centra sua atenção na história de uma jovem mãe e sua filha. A mãe, Halley (Bria Vinaite), é uma mulher que tem dificuldade de se manter. Sem emprego, ela vive de pequenos bicos/golpes e da ajuda de amigos. A filha, Moonee (Brooklynn Prince), é uma garota de seis anos que, durante as férias de verão, vaga pela região com amigos. Com uma mãe nada politicamente correta, a menina também não tem papas na língua e age de forma inconsequente, perturbando a rotina local.
Elas vivem em um hotel simples, que é administrado por Bobby (Willem Dafoe), um sujeito simples e dedicado, que se preocupa com os hóspedes/moradores do local, mas ao mesmo tempo tem que cumprir suas obrigações de funcionário. Ele é constantemente atrapalhado por Moonee, que causas diversos problemas no espaço. Mas também nutre uma relação de carinho bem especial com as crianças do espaço.
Único nome conhecido do elenco, Dafoe está completamente integrado na produção. Em momento algum parece que estamos diante de um veterano trabalhando com amadores. Ele é mais um. E brilha bastante no papel.
Mas em se tratando do elenco, é impossível não destacar as performances de Bria Vinaite e, especialmente, Brooklynn Prince. A mulher vive uma mãe abatida pela vida, mas que em nenhum momento passa qualquer coisa além de completo amor e devoção pela filha. Já a menina é de uma naturalidade assustadora para uma criança de apenas seis anos. Em alguns momentos, é claro que há o mérito da câmera de Baker conseguir capturar momentos fofos dela, mas há outros em que são exigidos talentos de atuação, e ela se sai assustadoramente bem. Ao final, o público chega até a se emocionar junto com a menina.
O elenco é um dos principais destaques da produção. Além do trio citado, há duas ótimas crianças e outros adultos envolvidos no longa. É curioso notar que estamos diantes de pessoas muito diferentes, mas que têm em comum o fato de estarem meio que à margem do mundo de fantasia, aqui representado, é claro, pelos parques da Disney, em Orlando.
Além de dirigir, Sean Baker é responsável pela montagem e pelo roteiro do filme, ao lado de Chris Bergoch. Diferentemente do que fez em Tangerine, ele não foi responsável pela direção de fotografia. A função ficou a cargo de Alexis Zabe (Luz Silenciosa), que faz um ótimo trabalho. A câmera na mão, que muitas vezes acompanha os personagens de perto, é fundamental para criar proximidade entre público e filme. No final das contas, somos mais um morador daquele complexo, tanto no que diz respeito a proximidade, tanto do que diz respeito ao afeto.
The Florida Project (no original) é um filme muito humano. Conta com momentos divertidíssimos. E outros de partir o coração. Para ver e se emocionar.
Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.