Leste Oeste: Crítica AdoroCinema

A princípio, os personagens deste drama passam por grandes transformações: um ex-piloto (Felipe Kannenberg) tentando provar o seu valor contra a nova geração, um filho acertando as contas contra o pai que nunca acreditou em seu potencial, uma história de amor represado, a dor pelo acidente do irmão. No entanto, o espectador pode se surpreender com a placidez dos conflitos, muitos deles ausentes das imagens, reportados em voz indireta. Isso decorre do fato que as reviravoltas essenciais ocorreram no passado, num tempo ausente da narrativa, cabendo aos personagens apenas evocar estes acontecimentos em tom prostrado. Leste Oeste se constrói como obra pós-traumática de um luto nunca plenamente concluído, cujo efeito é o mergulho dos personagens numa espécie de limbo.

Por resumir o motor da trama aos diálogos, o filme se desenvolve em estrutura linear e pouco dinâmica: a maioria das cenas se resume ao encontro entre dois personagens por vez (Ezequiel e Stela, Ezequiel e Ângelo, Stela e Pedro) em algum cenário estático, sem outras pessoas. As duplas apenas sentam e conversam, sem interagir com este fundo inerte, de forte aparência teatral. É estranho encontrar um bar sem garçons nem clientes, uma festa sem pessoas e de música baixíssima, uma conversa entre Ezequiel e um adolescente numa rua sem transeuntes nem ruídos. Embora busque o realismo através das interações intimistas, o cineasta Rodrigo Grota provoca o efeito o contrário, prendendo o piloto e as pessoas ao redor num universo embalado a vácuo.

Além disso, o teor dos diálogos prejudica muito o desenvolvimento da ação. O texto soa escrito demais, com termos que ficam quadrados na boca dos atores, sem ritmo nem espontaneidade. Esta construção engessa as brigas, limita o alcance emocional e a complexidade psicológica dos embates. A montagem abrupta, tanto na festa quanto em casa, tampouco atenua a inverossimilhança das cenas. Completando a atmosfera artificial, um locutor de rádio/oráculo entoa provérbios que convenientemente dialogam com a situação dos personagens: “O passado é um fantasma”, “Vamos seguir o movimento da vida”. Algumas ideias apresentam notável potencial dramático, como a canção de Simone Iliescu enquanto escuta um arranjo orquestrado nos fones de ouvido, escondendo o som do público. Mesmo assim, a opção de enquadramentos e montagem é tão limitada que impede a cena de atingir voos mais altos.

Quando Leste Oeste chega à corrida, com filmagens num circuito real, incluindo carros profissionais e uma equipe técnica do automobilismo, o projeto alcança outro patamar de produção, tão superior aos sessenta minutos anteriores que poderia ser considerado um filme distinto. Os planos da corrida são orquestrados de modo eficaz, embora ainda seja difícil enxergar os dois corredores como profissionais. De qualquer modo, as conversas entre as duplas serve para estabelecer uma lenta gradação rumo a esta cena, que carrega a responsabilidade de oferecer uma válvula de escape à meia dúzia de personagens. Talvez o desfecho da corrida não represente uma reviravolta digna desse nome na vida de Ezequiel, mas eleva a qualidade do projeto como um todo, antes de oferecer uma nova sucessão de frases proféticas e vagas, desta vez narradas numa carta.

“Você nunca teve essa obsessão por um destino”, reclama o pai ao filho piloto. As principais críticas do patriarca dizem respeito à falta de ambição, ao fato de correr sem almejar a vitória, à ausência de vigor. De modo geral, esta constatação poderia ser aplicada ao filme como um todo, por confundir minimalismo com inércia, e personagens misteriosos com figuras fleumáticas. Se Ezequiel se confrontasse a homens e mulheres de temperamento distinto do seu, o resultado talvez atingisse maior relevo. No entanto, a direção controla suas figuras humanas, seu cenário e mesmo sua linguagem cinematográfica em tom rigidamente indiferente. Este aspecto poderia ser exagerado com propósito cômico/crítico (vide a estética de Aki Kaurismaki), gerando um efeito mais instigante. Ora, Leste Oeste se perde entre a superfície de seus quadros estáticos e a ambição pessoal de modéstia e profundidade.