Desconstruindo Charlize
por Francisco RussoEsqueça a Charlize Theron durona, pronta para enfrentar Dominic Toretto e sua gangue (Velozes & Furiosos 8), distribuir golpes em vilões (Atômica) ou simplesmente encarar um futuro distópico dominado por um tirano megalomaníaco (Mad Max: Estrada da Fúria). Em Tully, Charlize surge em um dos momentos mais instáveis e belos na vida de uma mulher: a maternidade.
No auge de seus 23 kg extras delineados para compor a personagem, a atriz cativa o espectador não apenas pela dedicação, mas especialmente pela ternura que tão bem combina ao sensível roteiro escrito por Diablo Cody. Das bochechas risonhas ao brilho no olhar pelo filho que está prestes a nascer, Charlize transmite ansiedade e desgaste ao lidar com a dura rotina de um recém-nascido, ao mesmo tempo em que precisa encontrar tempo para não negligenciar seus outros dois filhotes. Especialmente o do meio, dono de uma sensibilidade latente que o torna impaciente a quebras de rotina, o que lhe rende maiores cuidados.
A partir de um olhar clínico sobre as necessidades e cobranças de uma mulher que acaba de dar a luz, Diablo Cody entrega uma personagem apaixonante pela veracidade. No olhar de Charlize pode-se notar benesses e agruras, a partir de uma câmera intimista conduzida pelo diretor Jason Reitman, com quem a atriz já trabalhou em Jovens Adultos. Inclusive, é possível delinear um curioso paralelo entre as personagens: se antes Charlize se recusava a assumir a fase adulta, aqui precisa lidar com os vislumbres da juventude ao encarar as exigências da vida em família, com direito a todo o impacto psicológico que tal mudança traz.
No meio de tal tormenta, há Tully: a babá noturna que o irmão contrata, para ajudá-la nas difíceis tarefas do dia a dia. Interpretada pela intencionalmente radiante Mackenzie Davis, ela surge toda noite para, com um jeitão meio Mary Poppins, cuidar não apenas do bebê, mas também da mãe. É no convívio entre as personagens que o filme cresce, ganhando uma dimensão psicológica não só relevante, mas também atualíssima em relação à posição da mulher nos dias atuais.
A partir de um olhar extremamente feminino, Tully entrega um belo filme que não apenas desconstrói a imagem sisuda e ameaçadora de Charlize Theron, em uma atuação que desde já a credencia ao Oscar 2019, mas também por abordar a maternidade não só pela beleza do novo ser que chega ao mundo, mas também pelos sacrifícios, físicos e mentais, necessários para gerá-lo em seus primeiros meses de vida. É ao olhar para a mulher, e não para a mãe, que o roteiro de Diablo Cody brilha intensamente, provocando imediata compreensão a quem já passou por tal montanha-russa de emoções.