História dos vencedores
por Bruno CarmeloUm dos primeiros elementos de destaque neste projeto brasileiro é sua grande produção. Paratodos é um raro documentário nacional capaz de viajar para diversos países, acompanhando dezenas de atletas paraolímpicos em seus treinos e competições, com belas imagens, ângulos improváveis, trilha sonora com canções inéditas de artistas famosos etc. Depois de trabalharem nos bons Cidade Cinza e A Viagem de Yoani, o diretor Marcelo Mesquita e o roteirista Peppe Siffredi apresentam o seu maior projeto em termos de ambição e de recursos.
Diante de um tema espinhoso como a deficiência física, os criadores felizmente fogem ao olhar miserabilista. Atletas como Terezinha Guilhermina, Fernando Fernandes, Alan Fonteles e Suzana Schnardorf são retratados como competidores comuns, preocupados com sua velocidade e sua técnica. O diretor nunca enquadra de maneira voyeurista a parte do corpo que difere da norma, nem apela ao sentimentalismo para falar de dificuldades. Mesquita também apresenta bons reflexos de entrevistador, incluindo na montagem final alguns diálogos controversos que ajudam a compreender os problemas estruturais relacionados aos paradesportos.
A estrutura do projeto, no entanto, pode ser questionada. Paratodos é dividido em episódios que não se comunicam, cada um sobre um esporte: canoagem, atletismo, natação e futebol. A divisão permite conhecer problemas específicos de cada categoria, mas impede a compreensão dos esportes adaptados como um todo. O resultado final deixa a impressão de que foi pensado para funcionar também na televisão, como minissérie em capítulos isolados. Além disso, cada segmento apresenta uma hierarquia interna, elegendo um personagem principal e outros coadjuvantes. No trecho da canoagem, Fernando Fernandes ganha mais atenção do que Francisco Ruffino; na parte do atletismo, Alan Fonteneles e seu problema de peso são privilegiados em relação ao trabalho de Terezinha Guilhermina.
Isso ocorre porque o projeto se concentra nos vencedores. Em vertente patriótica, reforçada às vésperas dos Jogos Olímpicos no Brasil, o filme retrata os atletas que ganharam muitas medalhas de ouro, que surpreenderam os especialistas e se tornaram modelos para os demais. A escolha não é nada óbvia: nem sempre a história precisa ser contada pelo ponto de vista dos vencedores, que constituem figuras excepcionais por definição. Ao selecionar apenas as maiores estrelas do paradesporto brasileiro, o documentário adota um olhar tão otimista quanto idealizado. Como é vida de tantos atletas nacionais que não se tornaram os melhores em suas categorias? Como treina o atleta paraolímpico “médio”?
O olhar sistemático aos maiores medalhistas é acompanhado de um discurso pouco preocupado com a sociedade em que esse esporte está inserido. Qual é o status social do paradesporto em relação aos esportes tradicionais? Quem apoia o treinamento desses atletas? A estrutura financeira e de equipamentos fornecidos aos esportistas tem melhorado nos últimos anos? Não se sabe. Os esportes são vistos numa bolha isolada da política, da economia e da sociedade. É possível que o espectador termine a sessão pensando que basta se esforçar muito para alcançar o topo do esporte. Ou seja, o projeto pode reforçar o mito da meritocracia, algo muito distante da realidade profissional de qualquer esporte. Apesar destas ressalvas, o documentário cumpre bem aquilo a que se propõe, ou seja, elogiar e sublinhar a existência de grandes atletas brasileiros em modalidades esportivas pouco retratadas nas mídias tradicionais.