Como os nossos pais
por Bruno CarmeloO diretor japonês Hirokazu Kore-eda tem apresentado novos filmes com uma rapidez impressionante, capaz de levantar dúvidas sobre a capacidade de manter o alto nível das obras. Embora suas histórias familiares, sempre agridoces e realistas, não tragam grandes experimentos formais nem lampejos de originalidade, ainda cativam pelo olhar aguçado aos conflitos humanos. Depois da Tempestade, em especial, representa um dos melhores filmes do cineasta nos últimos anos.
O início parece indeciso sobre qual personagem transformar em protagonista. A primeira figura de destaque é a matriarca Yoshiko, uma mulher idosa conhecida pelas tiradas sarcásticas e pelo olhar crítico ao mundo. Interpretada pela genial Kirin Kiki, uma das melhores atrizes japonesas em atividade, Yoshiko poderia facilmente ganhar um filme só para ela. Mas a mãe divide o espaço com o filho Ryota (Hiroshi Abe), um escritor de pouco sucesso, que trabalha como detetive e sonha em conquistar a ex-esposa (Yoko Maki), com a filha mais velha, dominadora e moralista, e com o neto de Yoshiko, adaptando-se à vida com o novo padrasto.
Após apresentar estas figuras separadamente, o diretor começa a mostrar a interação entre elas. As cenas em casa são ótimas: através de diálogos simples, durante refeições ou jogos de tabuleiro, o roteiro constrói em profundidade as personalidades distintas, introduzindo gradativamente informações sobre o passado de cada um e sobre os ressentimentos guardados. As pequenas disputas por dinheiro, por atenção e por carinho são tão comuns que transformam esta família num núcleo universal. A trama ressalta a ideia de que, por mais que tentemos ser diferentes dos nossos pais, acabamos reproduzindo os mesmos comportamentos, e mesmos defeitos, quando chegamos à fase adulta.
Kore-eda consegue incluir nesta história uma generosa dose de humor, evitando que os dramas pesem sobre o tom. Em conjunção com a luz naturalista, a montagem precisa – os planos são contemplativos, mas nunca excessivamente longos - e o belo trabalho do elenco, o resultado é um “filme de personagens” afetuoso e bem construído, no qual as duas horas de duração passam com fluidez. A mão do diretor é tão delicada que consegue representar a passagem de um tufão através da imagem de um vaso de plantas e de um escorregador.
Filmes que buscam equilibrar diferentes núcleos costumam trazer resultados desiguais entre as histórias, e este projeto também apresenta seus momentos mais fracos. As cenas do trabalho de Ryota como detetive são extensas e menos interessantes do que as interações familiares, além de ameaçarem enveredar por um gênero que a história não tem tempo nem vontade de desenvolver. No entanto, assim que Ryoto, sua irmã, a ex-esposa e o filho pequeno se reúnem na casa da mãe idosa, Depois da Tempestade atinge momentos de beleza humana e cinematográfica ímpar.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.