Ser "cool" ou não ser
por Bruno CarmeloPara retratar a juventude que cresceu durante o fim do século XX, o diretor Jonah Hill decidiu criar um projeto que parece ter saído diretamente daquela época – em outras palavras, um filme que não seria sobre os anos 1990, mas dos anos 1990. O formato da imagem, de 1x1:33, evoca diretamente a proporção televisiva, mais quadrada do que a maioria das projeções de cinema, enquanto a textura granulada do 16mm remete à época pré-digital. A edição fragmentada e o uso estridente de música são herdeiros da geração videoclipe e MTV.
O público na faixa dos 30 anos de idade deve encontrar elementos de sobra para um mergulho nostálgico. A trama retrata o valor dos CDs, Nintendo 64, skates, gibis, pôsteres de banda nas paredes do quarto, aluguel de filmes na locadora do bairro, canções como “Kiss From a Rose”, de Seal. Estes elementos se inserem de forma orgânica na trama, por ocuparem a rotina do pré-adolescente Stevie (Sunny Suljic), acolhido pela primeira vez por uma “gangue” de skatistas enquanto busca impressioná-los da melhor forma possível. Boa parte da trama se dedica à construção da masculinidade e do amadurecimento relacionada às drogas, ao álcool, ao sexo e à rebeldia contra a autoridade (no caso, a mãe interpretada por Katherine Waterston).
No contato com garotos mais velhos, Stevie aprende quais comportamentos são aceitáveis dentro do grupo e quais são considerados coisas “de criança”, “de menina” ou “de gay”. É curioso relembrar esses códigos décadas mais tarde, em pleno 2019, quando os ativismos minoritários passaram a desconstruir a ideia de que a virilidade seria oposta – e superior – à feminilidade, ou a heterossexualidade à homossexualidade, por exemplo. Felizmente, Hill desenha personalidades muito distintas dentro do grupo de skatistas, que vão da inconsequência total, representada por Fuckshit (Olan Prenatt) à liderança madura e paterna de Ray (Na-kel Smith). Este último, aliás, tem uma atuação excelente, com direito a um monólogo brutal sobre a sua infância e sobre a situação familiar dos colegas.
Anos 90 funciona como um comovente filme de amizade, no qual os erros cometidos pelos colegas não minimizam o afeto real entre esses garotos e a importância que terão na constituição alheia enquanto indivíduos adultos. O projeto não julga as atitudes de Stevie, nem mesmo da mãe, pouco presente em momentos importantes da vida dele, ou ainda do irmão mais velho (Lucas Hedges), que começa a perceber sua influência decrescente sobre o irmão pequeno. Hill alterna cenas afetuosas com outras hilárias, como se esperaria de um ator tão desenvolvo tanto no drama quanto no humor. Lucas Hedges e Katherine Waterston, duas escolhas inesperadas para o registro cômico, se saem bem em seus papéis, funcionando como contraponto de realidade aos delírios escapistas dos meninos.
Além disso, Jonah Hill se revela um diretor ambicioso e criativo no uso de recursos cinematográficos. Enquanto muitos atores que se arriscam na direção optam por um caminho mais seguro e acadêmico, Hill investe num belo plano-sequência de Stevie e o irmão Ian se perseguindo dentro de casa, ou então os adolescentes mudando de posição numa festa, durante a duração de uma música. O cineasta encontra uma maneira interessante de representar um acidente de carro, reforçando o papel do som ao invés da imagem. Por trás da aparência de pequena produção (com duração curta, poucos personagens em cena, cenários e ações limitadas), Anos 90 consegue resgatar as cores, cheiros, texturas e marcas de uma geração muito particular em sua busca rebelde por autoafirmação.
Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.