Problemas por todos os lados
por Bruno CarmeloO início deste média-metragem é bastante promissor. De modo silencioso, a cineasta Alina Rudnitskaya filma a rotina dos trabalhadores da gigantesca barragem de Sayano Shushenskaya, a maior da Rússia e a sexta maior do mundo. As faxineiras limpam o local, os homens inspecionam as peças. Através das câmeras de segurança, entretanto, percebe-se um rompimento na estrutura. Logo, pelas imagens mudas, o espectador vê uma enorme rachadura, litros de água vazando pela construção, pessoas correndo desesperadas, objetos e carros sendo engolidos pelo nível crescente da água.
Este início é potente por acreditar na força própria da imagem: não é necessário adicionar nenhuma narração ou música para perceber a dimensão do acidente em cena. Passada a apresentação, no entanto, Catástrofe se transforma por completo. A diretora investiga o trauma deste evento na vida dos moradores da cidade de modo tradicional: ela pergunta às pessoas o que se sentem, quais lembranças possuem, qual é a dor de perder um pai ou marido na tragédia que marcou o país. Os entrevistados, identificados em tela pelo nome e a legenda “Perdeu um filho/marido/pai no acidente”, choram abundantemente, clamam por justiça.
As duas partes são desconexas: trafega-se entre o documentário de observação e a reportagem jornalística de cunho sentimental em questão de minutos. O trato de Rudnitskaya com as pessoas é afetuoso, mas a montagem aproveita apenas os momentos de indignação e catarse, conferindo à sequência de depoimentos um ar oportunista. A diretora faz da voz das pessoas a sua própria, insistindo unilateralmente na prisão dos responsáveis, sejam eles quem forem. De modo pedagógico, ela edita as falas para que todas entoem o mesmo discurso.
Catástrofe chega então a uma terceira parte, ainda mais surpreendente que as demais. Contagiado pela fervor de sua própria denúncia, o filme expande os alvos de ataque: as pessoas - e a diretora, por extensão - criticam a corrupção dos políticos no país, os baixos salários dos operários russos, a situação das mulheres, a crise diplomática com a Ucrânia. Aproveita-se o problema central para falar de outros, para usar a barragem de Sayano Shushenskaya como metáfora para as deficiências de todo o país. Quando a estrutura se rompe, de certo modo é a Rússia inteira que sofre as consequências.
O recurso pode ser ambicioso, mas fica disperso na curta duração de 52 minutos e na incapacidade de relacionar temas tão distintos. Às vezes, o documentário ameaça criticar os entraves do processo jurídico, olhando de maneira crítica o papel da mídia sensacionalista. Em outros momentos, contenta-se com as lágrimas dos moradores. Entre razão e emoção, observação e intervenção, Catástrofe é um filme com muito a dizer, mas sem uma estrutura coerente para fazê-lo.