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    O Homem que Matou John Wayne
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Homem que Matou John Wayne

    Biografia imaginária

    por Bruno Carmelo

    Criar um documentário sobre Ruy Guerra não é uma tarefa fácil. A trajetória do artista atravessa vários países (Moçambique, França, Brasil), várias formas de expressão (cinema, teatro, poesia), várias décadas da História mundial. Para uma figura tão singular e criativa quanto Guerra, o filme felizmente evita as principais armadilhas do documentário biográfico, como a idealização, a cronologia e a submissão da forma ao conteúdo.

    O Homem que Matou John Wayne parte, como sugere o título, de uma fantasia. O cineasta imagina seu encontro imaginário com o ator, execrado por representar o imperialismo americano. Uma altercação entre os dois teria levado a um potente soco no estômago de John Wayne - diagnosticado pouco depois com um câncer no estômago, que causou a sua morte. Bem-humorado, Ruy Guerra e os diretores Bruno LaetDiogo Oliveira se prestam a uma recriação deste momento. De certo modo, o que se tem em tela é a representação do cinema autoral contra o cinema comercial, face a face numa disputa de faroeste. Vitória da arte independente.

    A construção lúdica dos diretores serve para ditar o tom plural, e por isso mesmo tão pertinente, à figura de Ruy Guerra. A estrutura do documentário passeia por entrevistas aleatórias do cineasta ao longo de sua história, depoimentos no presente, comentários de seus amigos como Werner Herzog e Chico Buarque de Hollanda, trechos dos filmes de Guerra (sem indicações de títulos nem datas) e recriações artísticas entre a videoarte e a performance, comandadas por um inspirado Júlio Adrião.

    Talvez a multiplicidade de registros e de saltos temporais tornasse a obra fragmentada demais. Felizmente, os diretores conseguem extrair o melhor de cada cena, cuja coesão encontra-se na reflexão sobre o cinema. O Homem que Matou John Wayne, assim como o próprio Ruy Guerra, não está interessado apenas no “amor pela sétima arte”, e sim na compreensão dos limites e das particularidades desta linguagem. Discute-se a liberdade do olhar, a manipulação inerente a toda forma de arte, o valor da representação, a importância do espaço fora de quadro. O interesse do projeto vai além do biografado e de seus filmes, chegando ao próprio cinema como arte - tema sobre o qual Guerra sempre tem muito a dizer.

    É interessante, rumo ao final do projeto, perceber que se compreende muito mais sobre Ruy Guerra vendo a interação entre um ator e a projeção numa tela do que através de dados sobre seu nascimento, as datas de seus filmes, seus prêmios e afins. Quando o personagem de Júlio Adrião se apaixona por uma mulher fantasmática, projetada na tela, e tenta rasgar o tecido para encontrá-la por trás da projeção, compreende-se o desejo de Guerra em destrinchar a imagem, entender o mecanismo que a faz funcionar, além de seus limites e seus efeitos. O documentário acerta ao prestar homenagem não a uma pessoa, e sim a uma ideia, de modo inventivo e autoral.

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