Infelizes juntos
por Taiani MendesDurante muito tempo caracterizado estereotipadamente como um cinema de verborragia, sexualidade natural e investigação psicológica, o cinema francês nas últimas décadas praticamente enterrou tal noção com uma variedade de gêneros e diferentes propostas mesmo nas produções mais “intelectualizadas”. O cinema de autor, no entanto, permanece vivo e Philippe Garrel, veterano que hoje pode ser considerado um de seus baluartes, está de volta com nova obra sobre o tema que lhe é caro desde a década de 1960: o relacionamento homem/mulher.
Provavelmente no presente mais conhecido pela paternidade do galã Louis Garrel, o quase septuagenário cineasta promove ao protagonismo em Amante Por um Dia sua outra filha atriz, Esther – bastante parecida com o irmão e experimentando o auge da popularidade por Me Chame Pelo Seu Nome. A jovem interpreta Jeanne, flagrada de início amargando a enorme dor do fim do primeiro namoro. Seu drama é confrontado com o de Ariane (Louise Chevillotte, intensa), mesma idade, muito mais experiência sexual e sentimental, ao que tudo indica bem na vida. Quem as une é Gilles (Éric Caravaca), pai de Jeanne e professor/namorado de Ariane, dono do apartamento em que os três passam a conviver.
Opostas desde a apresentação – Ariane surge de pé, dominante, transando, enquanto Jeanne surge no chão, aos prantos, fragilizada –, as mulheres vão trocando a inimizade carregada de ciúmes pela cumplicidade calculada. Seus segredos são pessoais e as conversas giram em torno das figuras masculinas. São elas as protagonistas, porém o filme acaba versando principalmente sobre a fragilidade da masculinidade contemporânea. Ariane e Jeanne dialogam, se equilibram representando o desprendimento e a possessão, a autoconfiança e a insegurança, enquanto Gilles sobra sozinho e desolado, moderno, mas não o bastante.
Repetindo À Sombra de Duas Mulheres, só que de maneira menos radical, Amante Por um Dia registra um golpe no pretensamente inabalável ego do homem, exaltando a humilhada Jeanne ao acompanhar sua dura recomposição. Ariane, em percurso inverso, vai perdendo a força, pois não é o tipo de personagem que importa tanto aos estudos conjugais de Garrel. Bem resolvida demais, é como se ela fosse se libertando da trama conforme expressa sua preguiça ante a estabilidade da vida a dois e a ligação direta comumente feita entre sexo e amor.
Mais uma vez o cineasta filma em deslumbrante preto e branco, mais uma vez a traição é assunto, mais uma vez posições são invertidas no decorrer da trama, mais uma vez as atuações são impecáveis (é louvável em especial a forma como Esther expõe fisicamente a dor de amor) e as principais diferenças deste filme em comparação com o anterior do diretor não podem ser chamadas de evolução. Há uma trilha exageradamente sentimental, uma narração orbitando entre a redundância e a espirituosidade e uma falta de clareza no sentido do que é mostrado em breves 75 minutos.
Pode parecer tempo maior pela quantidade de coisa falada – até política entra em pauta – e pela forma como é fácil se abandonar, como que num encantamento perpetrado pela incrível fotografia a serviço de problemas deveras ordinários, ainda que registrados de maneira complexa embebida de compaixão. "Crua", de Otto, seria a canção-tema perfeita para o longa-metragem.