Muro frágil, ódio forte
por Rodrigo TorresA simbologia do muro como um elemento de segregação e potencial bélico nunca foi tão forte desde o fim da Guerra Fria, quando a queda do Muro do Berlim anunciou a extinção da União Soviética. O ressurgimento do tema em 2017 se deve à ascensão de Donald Trump e sua insistência em construir uma barreira na fronteira dos Estados Unidos com o México — uma ideia controversa que já vem sendo muito questionada em Hollywood. Se Planeta dos Macacos: A Guerra retratou um líder lunático empenhado nesse mesmo propósito e num conflito sem sentido, Na Mira do Atirador explora a representação física e metafórica dessa figura como base principal do longa-metragem. Não à toa, seu título original é The Wall.
O atirador de elite Shane Matthews (John Cena) e seu observador Allen Isaac (Aaron Taylor-Johnson) são dois sargentos do exército norte-americano encarregados de investigar uma construção de oleoduto transformada em cenário de horror depois que um atentado vitimou engenheiros e militares estadunidenses. Após 22 horas à espreita, sem sinal de presença inimiga, Matthews abandona seu posto e decide examinar o local, até ser atingido por um sniper. Traumatizado com a morte de outro colega, Isaac parte numa missão suicida para resgatá-lo, mas também é ferido. Ele ao menos consegue abrigo atrás de um muro, precário, atrás do qual será a presa vulnerável do franco-atirador iraquiano.
Essa ameaça ao protagonista, porém, não irá se manifestar fisicamente ao longo da projeção. Como no recente Dunkirk, o inimigo nunca é visto. Mas é ouvido, causando um verdadeiro terror psicológico em Isaac através de um rádio comunicador. Assim, Juba (um pseudônimo mítico) se comporta como um fantasma, uma entidade que finge, manipula, com o único propósito de matar. E o argumento tanto é corajoso por investir em algo pouco usual em filmes de guerra (diálogos), como trabalha com inteligência a fragilidade do físico (o muro precário, o inimigo sem corpo) frente ao poder do metafísico (a voz assassina, o ódio). É possível, por exemplo, interpretar que um paredão fornece uma proteção (concreta) ilusória que, em seu propósito de segregar, se torna catalisador de perigos maiores, como a xenofobia (algo abstrato, portanto, mais forte).
Infelizmente, o roteiro abandona a sugestão e a provocação se esvai. O texto que inicia o filme já contesta a atuação dos Estados Unidos na Guerra do Iraque ao explicitar que o ano é 2007, quando forças militares de outros países retornavam para casa e George W. Bush aumentava o efetivo no Oriente Médio. Mas o roteirista Dwain Worrell (da série Punho de Ferro, sofrível) tem a necessidade de justificar as motivações de Juba, de mostrar que o civil iraquiano sedento por morte é tão humano quanto o militar americano, tratado como herói. Embora as palavras de Juba sempre soem como mentira, sua semelhança com um apelo convencional é tamanha que o resultado é igualmente desinteressante. Da mesma forma, retratar Isaac como um sulista burro que desconhece literatura, enquanto o algoz terrorista cita Edgar Allan Poe, pode ser irônico, mas esvazia a força do jogo psicológico que se impunha antes.
Desse modo, Na Mira do Atirador é menos bem-sucedido quando lembra Por Um Fio do que quando remonta a Guerra ao Terror. Seu próprio ponto de partida é uma extensão da melhor sequência do vencedor do Oscar 2010, em que o franco-atirador e seu assistente/observador se mantêm em posição durante horas após abater um sniper inimigo. Embora nem tenha a possibilidade de construir essa passagem de tempo tão minuciosamente como Kathryn Bigelow, o diretor Doug Liman evoca perfeitamente as condições naturais adversas do conflito no Iraque. A areia que cola no rosto suado, que ataca os olhos, a aflição de uma ferida aberta em terreno empoeirado, a falta d'água, o sol escaldante, toda a atmosfera compõe um cenário terrível para Isaac, e confere bastante tensão ao longa-metragem.
Perfeitamente estruturado em três partes clássicas, Na Mira do Atirador ainda se vale de uma curta duração para contornar clichês eventuais (como o sentimentalismo do protagonista) e a atuação apenas razoável de Aaron Taylor-Johnson para evoluir rapidamente até um esperado desfecho. Dada a situação desfavorável de Isaac, é inevitável aguardar ansiosamente pelo final, e Doug Liman articula com habilidade as possibilidades que lhe surgem. O cineasta compõe cenas lindas para manipular uma catarse redentora no público e depois, se apropriando das sequências de ação caóticas de No Limite do Amanhã, atirá-la no lixo com um anticlímax desesperador — porém imprescindível em um drama que não tem o menor propósito de glorificar a guerra, muito pelo contrário.