A alma do artista
por Lucas SalgadoO melhor elogio que se pode fazer a documentário é dizer que você saiu dele sabendo mais sobre seu tema do que antes. Isso pode parecer algo básico, mas o que mais vemos nos últimos tempos são docs sobre artistas que reúnem apenas grandes momentos da carreira do mesmo e um ou outro depoimento engraçadinho sobre sua vida. Geram obras que podem até entreter e atrair por oferecer boas imagens de arquivo. Cacaso na Corda Bamba é mais do que isso. É um filme que aborda a história de vida de Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, ao mesmo tempo que explora sua alma de artista, inquietudes, inspirações e motivações.
Você não sai no filme o mesmo que entrou. E isso vale para aqueles que nunca ouviram falar em Cacaso, mas também para os que conheciam ele como uma figura importante da poesia e da música brasileira.
Escrito e dirigido por José Joaquim Salles, com codireção de PH Souza, o filme explora a obra desta figura ímpar da cultura brasileira, que faleceu aos 43 anos, em 1987. O longa aborda sua origem no interior de Minas Gerais e seu falecimento, mas tudo em prol de entender melhor Cacaso.
Com a ajuda da montadora Fernanda Teixeira e do desenho gráfico de Miguel Kruschewsky, os diretores conseguiram entregar um filme complexo, repleto de informações, mas que não é necessariamente didático. A montagem, por sinal, consegue inserir mais de 30 depoimentos sobre o artista sem soar muito excessivo. É verdade, que a vontade de aproveitar ao máximo os depoimentos, o filme acaba usando o mesmo entrevistado em diversos momentos, mas nada que torne a experiência cansativa.
Poeta, ensaista, compositor, desenhista... Cacaso era um autor multimídia em uma época que não se usava este termo. Com visual peculiar, filho de família rural tradicional, deixa tudo de lado para ser um homem da literatura, da filosofia, das artes. Chamado de "profeta do caos" e "provocador de talentos" por alguns entrevistados, ele foi um dos principais nomes da poesia marginal dos anos 70. Na sequência, na tentativa de explorar mais a arte, e também ganhar mais dinheiro, passa a se dedicar a compor, trabalhando ao lado de nomes como Edu Lobo, Toquinho, Djavan, dentre muitos outros.
Cacaso na Corda Bamba é também um registro do cenário cultural carioca dos anos da ditadura militar. Se documentários sobre Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda já nos ajudaram a entender um pouco do período, o sobre Cacaso nos diz mais sobre a inquietude do artista e sobre o trabalho em colaboração.
Repleto de histórias deliciosas, como o primeiro encontro com Manoel Bandeira, o filme conta com muitas cenas e fotografias de arquivo. Destaque para uma rara entrevista de Cacaso ao lado de Maurício Tapajós, em 1987, no ano de sua morte.
Ao longo de 88 minutos, o espectador mergulha na alma do artista e conta com uma série de depoimentos de nomes como José Joffily, Francis Hime, Walter Carvalho, Zelito Viana e Heloísa Buarque de Hollanda. Também conhecemos um pouco de sua família, como irmã, filho e esposas, isso sem falar no sobrinho Zeca Camargo.
A obra e a figura de Cacaso mereciam um documentário como este. E, mais importante, a sociedade precisa preservar e valorizar registros como este. Sua trajetória literária e musical está disponível não só em lojas e livrarias, mas também na internet. Mas filmes como este podem ajudar a despertar o interesse na mesma.
Filme visto durante o Festival É Tudo Verdade, em abril de 2016.