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    O Jardim das Aflições
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    O Jardim das Aflições

    Filme-propaganda

    por Rodrigo Torres

    O Jardim das Aflições se inicia numa montagem típica de uma obra de suspense. Ao som da misteriosa "Sinfonia Nº 1" de Jean Sibelius, imagens do cenário urbano deserto de uma cidadezinha da Virgínia, Estados Unidos, se sucedem até vermos um automóvel cortar uma estrada que atravessa o campo do estado americano, rumo a um local ermo. Essa introdução — que remonta à abertura de O Iluminado, de Stanley Kubrick — sugere um iminente choque com o desconhecido, pressupõe confronto, perigo... Enfim, indicia tudo, menos o encontro amigável que se estabelece entre o diretor e roteirista Josias Teófilo e o biografado Olavo de Carvalho, retratado em sua versão mais lisonjeira, observado com devoção, jamais desafiado pela câmera.

    Tal quebra de expectativa representa um grande ônus à proposta fundamental de O Jardim das Aflições: comprovar a grandeza cerebral de Olavo de Carvalho. Quer dizer: o professor não cansa de demonstrar seu incrível repertório intelectual ao longo do filme. E essa é a melhor parte do longa-metragem. Sereno, o filósofo articula conceitos sobre liberdade individual, Estado e Direito, observa a relação do homem com a vida urbana em detrimento da natureza, do universo físico, explica a importância de se entender a origem das nossas ideias, cita Platão, Aristóteles etc. Ao tratar de política (tema em que se assevera sua faceta polemista), Olavo traça um ponto de vista interessante sobre a ascensão do Partido dos Trabalhadores, inclusive prevendo o levante da esquerda (nos anos 90) e analisando o seu ponto de conflito, dentre outras coisas. Mas o documentário falha miseravelmente enquanto recorte, atirando alguns pontos sem contexto, outros tantos com brechas de contestação nunca aproveitados por Josias Teófilo.

    Isso deriva do fascínio do cineasta por Olavo de Carvalho. E o montador e diretor de fotografia Daniel Aragão (esforçado e bem-sucedido em alternar o registro das declarações do homenageado; sim, homenageado) realça tamanha paixão, eventualmente, de modo constrangedor. "Nenhum comunista leu tanto sobre Comunismo como eu. Caso contrário, não seria comunista", diz Olavo, numa tirada ácida que sintetiza a imagem que estabeleceu nos últimos anos — e leva o público à gargalhada. Em seguida, a leitura do prefácio escrito por Bruno Tolentino para o livro "O Jardim das Aflições" ganha uma narração tão enfadonha quanto o texto, em tom igualmente rebuscado e desinteressante. O conteúdo, de uma adulação insuportável, tem como ilustração (e intensificador) um passeio contemplativo pela biblioteca do autor, representação física de sua inteligência, seu cérebro.

    Então, quando Olavo de Carvalho explica as origens do western (algo solto no filme) e exalta a sua moralidade, o documentário exibe John Wayne massacrando índios a tiros — sem nenhum questionamento. Enquanto esse mesmo trecho é utilizado por Raoul Peck no excepcional Eu Não Sou Seu Negro para exemplificar a imposição selvagem do homem branco (representação do bem) sobre outras raças, Josias Teófilo é incapaz de contestar a dita grandeza em se exterminar nativos pela conquista de uma terra. Esse problema evidencia uma admiração em excesso que redunda em cegueira e prejudica a montagem, composta por raciocínios incompletos e/ou contestáveis. Assim acontece em outros trechos, o que não realça, mas subaproveita a presumida genialidade do biografado.

    Josias Teófilo não tem o anseio de explorar as ambiguidades, as contradições, nem mesmo a essência controversa de Olavo de Carvalho. Assim, sua falta de ambição desperdiça matéria perfeita para um bom documentário. E transforma O Jardim das Aflições num filme-propaganda insípido e falho sobre o filósofo, merecedor de uma obra mais desafiadora, mais poderosa, que uma palestra com roupagem de cinema.

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