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    Torquato Neto - Todas as Horas do Fim
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Torquato Neto - Todas as Horas do Fim

    Poema contra o esquecimento

    por Taiani Mendes

    Um dos maiores poetas e letristas do Brasil, Torquato Neto foi um inquieto artista piauiense que colaborou com o lendário grupo baiano da música (Gilberto Gil, Caetano Veloso, Capinam, Tom ZéGal Costa e Rogério Duarte), participou ativamente do Tropicalismo, ajudou o amigo Hélio Oiticica e atuou para Ivan Cardoso, entre várias outras coisas. Hoje não é tão celebrado e lembrado quanto merecia, mas isso está prestes a mudar.

    Vivendo intensamente a efervescência cultural dos anos 1960 no Rio de Janeiro, Neto se envolveu com a música, as artes plásticas, o cinema, o poema e o jornalismo em breves 28 anos de vida e a dupla Eduardo AdesMarcus Fernando assume o desafio de congregar todas essas expressões num filme que se destaca ao se colocar mais como um acompanhamento dos movimentos artísticos de Torquato do que uma biografia nos moldes clássicos, evitando o padrão quadrado seguido até o esgotamento nos últimos anos no Brasil.

    Torquato Neto – Todas as Horas do Fim, no entanto, tem uma questão com a morte. Ela está no título, ela inicia o filme, ela era tema recorrente nas conversas do retratado (dizem os amigos), ela ocorreu cedo demais, de forma abrupta. Transmitindo certa inconformação, o suicídio do compositor é pauta frequente do longa-metragem, quase sempre pelo viés do choque causado. Torquato, porém, é muito mais do que um gênio que se foi de maneira precoce e o peso exagerado dado ao seu fim na balança das prioridades poderia dar espaço a mais poemas, mais cartas, mais obra viva do que lamentação. Até porque os diretores encontraram uma forma orgânica e plural de narrar a trajetória criativa do retratado – que inclusive aparentemente encarava com tranquilidade a finitude.

    Jesuíta Barbosa faz competente trabalho dando voz à Torquato, lendo suas cartas, poemas e colunas de jornal, e os depoimentos dos entrevistados são dissociados de suas imagens, registradas no formato favorito do artista enquanto produtor audiovisual: super-8. Todo na textura granulada e envelhecida, bastante ligada ao experimentalismo, o documentário é pontuado por cenas de filmes das décadas de 1960 e 1970 relacionados à contracultura assim como ele, marcos do Cinema Novo e do Cinema Marginal como Terra em Transe, Macunaíma, Meteorango KidA Família do BarulhoO Bandido da Luz Vermelha – é recomendado acompanhar o subir dos créditos para descobrir quais são os longas, pois as sequências são encaixadas na narrativa sem identificação, o que favorece a fluidez e também o uso como ilustração de acontecimentos comentados.

    Há bastante conteúdo distribuído em apresentação que dá a ideia de fertilidade, não bagunça, organizada cronologicamente e por interesse – primeiro os poemas, depois as canções, por fim o cinema. Como que dotado de dupla personalidade, o longa tem montagem inspirada em certos momentos e na mesma medida escolhas óbvias como fotos de infância preenchendo a tela ao som de canção sobre o crescer. No filme tão agitado quando o talento difuso do excêntrico poeta, cuja deslocada figura vampiresca tropical dialoga com a crise existencial exposta em seus íntimos textos, são raros os planos sem movimento e a instabilidade é uma constante, deixando o visual pulsante como a mente do gênio e os históricos eventos da época: o nascimento da Tropicália e o endurecimento da ditadura militar.

    Dói ouvir que aquele que decidiu investir na música popular para comunicar mais sua poesia acabou perdendo o ritmo de sua turma por “não ser tão midiático”. Os comentários e interpretações dos amigos sobre sua pessoa são particularmente interessantes e enriquecem a leitura do talento difícil. Sua madrinha traz o corriqueiro alerta de que inteligência em excesso é perigosa e Torquato Neto – Todas as Horas do Fim, encerrado ironicamente com sua obra mais popular, sucesso póstumo, revela que prejudicial mesmo é a incompreensão.

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