Tour de force
por Taiani MendesJeanne Balibar interpreta Barbara. Jeanne Balibar interpreta a atriz Brigitte que vive Barbara numa cinebiografia da cantora francesa comandada por Yves Zand. Yves Zand que é interpretado por Mathieu Amalric, diretor de Barbara. A instigante confusão não está só na sinopse, é a alma do filme, alucinante ode à imersão na personagem e, acima de tudo, à Barbara.
Nascida Monique Serf em 1930, a artista iniciou a carreira cantando e tocando piano em cabarés e encontrou enorme sucesso no fim dos anos 1950, conquistando a França com suas melancólicas canções autorais e performances dramáticas. Informações básicas que Amalric se recusa a dar nesta intensa homenagem, que, apesar de se distanciar o máximo possível da estrutura linear, perfeitinha, fácil, tradicional, do gênero biográfico, não deixa de retratar a vida da personalidade. Em duas versões: a de Yves criada a partir da obsessão, suposto encontro, intensa pesquisa e entrevistas; a de Brigitte absorvida da música e imagens de arquivo, movida pelo feeling. Rígida em seu método e imersa na personagem, a atriz se transforma física e psicologicamente na cantora, agindo como Barbara mesmo longe das câmeras do filme dentro do filme.
É de Jeanne Balibar a atuação do ano, sem qualquer dúvida. Entrando e saindo sutilmente de diferentes personagens, impecável cantando e dublando, ela parece brincar de dar um nó na cabeça do público, repetindo o que Brigitte faz com o diretor Yves e sua equipe, e evocando a imprevisibilidade da verdadeira Barbara. Não por acaso seu nome é o primeiro a aparecer na tela, antes até do título. Mesmo que acabe acatando, Brigitte questiona as decisões de Yves e não é difícil imaginar Jeanne fazendo o mesmo com Amalric. A cena em que a atriz se irrita com o chefe se colocando diante da câmera e pergunta se o filme é sobre Barbara ou ele é o momento máximo desse jogo insano de camadas - que vai ainda mais longe se for considerado o fato de Mathieu ser ex-marido de Jeanne e seu personagem parecer sempre sob encantamento na presença de sua estrela, além de citar de forma enigmática um passado em comum.
A verdadeira Barbara se faz sempre presente em fotos, registros de viagens, bastidores, apresentações e entrevistas. Imagens em 16mm deixam homogênea a montagem de gravações da cantora com encenações por parte de Brigitte e a semelhança às vezes é assombrosa. Seus grandes sucessos são ouvidos e os números musicais ao piano são dirigidos de maneira apaixonada por Amalric, que coloca suas câmeras completamente a serviço da emoção de Balibar.
São 97 minutos de entrega à arte em diferentes níveis e o melhor é que dados biográficos de Barbara estão por todos os lados, basta ter atenção para identificar. O longa-metragem cumpre perfeitamente o papel de difundir sua obra e pincelar sua personalidade, induzindo no espectador o desejo de ouvir mais, saber mais, se aprofundar ao fim da sessão. Que resultado poderia ser melhor? É complicada e poucas vezes memorável a compressão de uma trajetória de décadas em 90, 120 minutos. Muito mais interessante é um cineasta compreender profundamente sua protagonista e transformar em filme sua essência, o que o roteiro de Amalric e Philippe Di Folco executa ao adotar a fecunda estratégia da atriz indo de encontro àquela que era muitas numa só. Ainda que caia na parte final e termine bruscamente, Barbara é uma experiência cinematográfica riquíssima que deve ser vista mais de uma vez. E a segunda sessão certamente não será igual, multifacetado que é como as artistas que retrata.
Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.