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    Os Fantasmas de Ismael
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Os Fantasmas de Ismael

    Fantasmas da paixão

    por Francisco Russo

    Por mais que não seja exatamente uma réplica, há muito de Três Lembranças da Minha Juventude no novo trabalho do diretor Arnaud Desplechin. A começar pelo protagonista, Mathieu Amalric, passando pela existência de personagens centrais chamados Dedalus e uma trama em torno dos traumas deixados por uma mulher misteriosa e marcante. Mais ainda: se em Três Lembranças... a narrativa é claramente dividida em episódios, em Les Fantômes d’Ismaël algo parecido pode ser notado, por mais que não haja uma quebra tão explícita. Tudo devido à existência de subtramas que, cada uma a seu modo, apresentam características bem particulares.

    Se por um lado tal proposta narrativa é bastante ambiciosa, na prática ela não funciona a contento pela ausência de coesão entre tantos elementos. Há, ao menos, quatro situações bastante explícitas no longa-metragem: o processo criativo em torno do trabalho do personagem principal, o cineasta Ismaël (Amalric); o trauma deixado por Carlotta (Marion Cotillard), sua ex-esposa que, após um desaparecimento de 21 anos, 8 meses e 6 dias - a data exata dá a dimensão do quanto foi sentido - subitamente está de volta; o relacionamento de Ismaël com Sylvia (Charlotte Gainsbourg), obviamente abalado devido ao retorno inesperado; e o filme dirigido pelo cineasta, que instala uma inevitável metalinguagem.

    Cada um destes trechos apresenta um tempo de tela parecido, alternando-se ao longo das quase duas horas de duração. Só que, por mais que envolvam os mesmos personagens, apresentam peculiaridades bastante distintas. Por exemplo: o filme dentro do filme inicia com uma típica trilha sonora de suspense e diálogos rápidos e ágeis, aos poucos enveredando para o cômico a partir do absurdo. Já o namoro entre Ismaël e Sylvia segue o clima típico dos dramas contemporâneos, envolvendo casais maduros que buscam curar cicatrizes do passado. Por outro lado, a aparição de Carlotta carrega o filme rumo ao mistério, pelo seu desaparecimento, e o melodrama, pelo fantasma da paixão reavivado - o ciúme, é claro, não poderia ficar de fora. Há ainda a loucura natural do processo de criação, apresentado a partir dos delírios do próprio Ismaël ao conceitualizar, e vislumbrar, seu próximo longa-metragem - aquele mesmo que é apresentado no próprio filme.

    Agora, recapitulemos... suspense, cômico a partir do absurdo, drama contemporâneo, mistério, melodrama e delírio criativo. Tudo isto de forma contínua, com trilha sonora e tons de diálogo variando entre cada situação, sem divisão explícita ou justificativa. Assim é Les Fantômes d'Ismaël, um filme ousado sob o aspecto da estrutura de roteiro mas que, na prática, soa como uma imensa bagunça devido ao vai-e-vem contínuo sem que haja qualquer tentativa de coesão, além da presença dos mesmos personagens.

    Outro problema grave do filme é que nenhuma das subtramas consegue, de fato, capturar a atenção do espectador. Também devido à proposta conceitual de revezamento, o que faz com que subtramas sejam interrompidas quando começam a engrenar - acontece, especialmente, em relação à personagem de Marion Cotillard. Não há propriamente uma intercalação entre elas de forma a tornar tal proposta mais fluida, o que traz ao filme um caráter ainda mais episódico.

    Além do lado conceitual, interessante na teoria e questionável na prática, Les Fantômes d'Ismael traz como pontos positivos a bela fotografia de Irina Lubtchansky - atenção à câmera claustrofóbica no momento do reencontro entre Ismaël e Carlotta -, um Louis Garrel longe de seu habitual estilo blasé - por mais que não tenha tanto espaço no filme - e breves momentos onde Marion Cotillard consegue transmitir seu habitual talento através do olhar, como na primeira conversa que tem com Ismaël, onde demonstra um misto de fascínio e insegurança devido ao reencontro com o antigo amado. Ainda assim, é pouco dentro do que se espera de um filme de abertura do Festival de Cannes, ainda mais em uma edição comemorativa de 70 anos. Apenas razoável.

    Filme visto no 70º Festival de Cannes, em maio de 2017.

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