MUDBOUND - LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPPI
Mudbound é uma produção Netflix, dirigido e escrito por Dee Rees e Virgil Williams, baseado na obra de Hillary Jordan. O longa está indicado em 4 categorias no Oscar: Canção Original, Roteiro Adaptado, Fotografia e Atriz Coadjuvante (Mary J. Blige).
MUDBOUND é uma ótima e agradável surpresa em meio aos vários filmes indicados ao Oscar. O filme adentra em várias questões muito delicadas com temas como preconceito, racismo, escravidão, exploração de mão-de-obra, desigualdade social, opressão, inferioridade feminina, violência contra as mulheres, os pobres, os negros. fazendo relatos sobre a segunda guerra mundial e os traumas causados por ela. É um filme com um contexto muito forte, pesado, incômodo, perturbador, que nos causa agonia, nos impacta e nos impressiona, chegando até a nos emocionar. O filme ainda aborda temas como o sistema imperialista americano e a criação de seitas racistas (como aquela típica cena da Ku Klux Klan
O longa se passa durante e logo após a segunda guerra mundial, e nos conta a história de duas famílias distintas, os McAllan e os Jackson. Uma, sendo uma família de brancos que se mudam para a fazenda de Mississippi e a outra, uma família negra que moram na fazenda e trabalham para a família de brancos.
O filme já começa de uma forma muito intrigante ao nos apresentar logo de cara os dois irmãos cavando um túmulo para o pai. A partir daí, o roteiro nos impressiona cada vez mais ao nos mostrar o desenvolvimento de cada personagem de uma forma brilhante. Como a história de Laura (Carey Mulligan) antes durante e depois do seu casamento com Henry McAllan (Jason Clarke), e a vida que ela começar a levar logo após se mudar para a fazenda. Todo conflito criado entre a família Jackson e família McAllan. A forma como Dee Rees (uma diretora negra) dividiu as duas histórias, contando os confrontos na fazenda, ao mesmo tempo que nos apresentava a guerra sendo vivida pelo um membro de cada família, ficou sensacional e muito bem trabalhada.
O roteiro nos prende e explora as nossas mentes ao mesmo tempo que nos assombra com cada relato vivido por cada personagem na trama. O longa usa a base do tema "racismo" de uma forma muito forte e muito verdadeira, que nos entristece, ao mesmo tempo que nos revolta. Como a cena do pai conversando com o filho e afirmando que a filha poderia se tornar a primeira datilógrafa negra da história. A cena que mostra a divisão de cores dentro dos ônibus (os negros viajavam na parte de trás, enquanto os brancos na parte da frente). A cena que mostra a lanchonete que só atendiam brancos. O preconceito de um branco achar que um negro não pode operar um tanque de guerra americano. Não poder frequentar os lugares livremente, tendo que sair pela porta dos fundos. Não poder usar um uniforme americano da guerra (uma vez que o próprio negro lutou na guerra pra defender os brancos, enquanto eles ficavam em casa).
Carey Mulligan está muito bem no filme, ao desenvolver a tímida e submissa esposa que passava por vários tipos de opressão. Jason Clarke entrega um ótimo trabalho, ao fazer um marido bruto, truculento, arrogante, que só queria se aproveitar de todos ao seu redor. Garrett Hedlund e Jason Mitchell foram os dois personagens que lutaram na guerra, mais tarde desenvolvendo uma amizade proibida (por um ser negro e o outro branco), sendo a base do grande confronto entre as famílias. Jonathan Banks nos impressiona com a tamanha crueldade instalada em seu coração. Ele faz o pai dos irmãos McAllan, um ser grotesco e pavoroso, um líder racista que nos causava um grande ódio com todas as barbaridades que ele fazia. Rob Morgan tem uma atuação soberana ao encarnar o chefe da família Jackson, sendo o grande paizão, que sempre os defendiam com unhas e dentes. A atriz e cantora Mary J. Blige é uma das melhores partes do filme. Ela faz a mãe da família Jackson e entrega um belíssimo trabalho com uma fortíssima atuação (muito bem indicada ao Oscar).
MUDBOUND é uma obra-prima, uma grande arte cinematográfica, muito bem dirigido, muito bem atuado, muito bem trabalhado. Com uma fotografia prazerosa que se envolvia em belos cenários, ao mesmo tempo que contracenava com um tom morto e denso de um local completamente inundado pela chuva (que não para de cair). Uma trilha sonora fina e muito bem ajustada, que nos fazia refletir sobre os acontecimentos, ao mesmo tempo que nos incomodava e nos transtornava. A canção original ("Mighty River" composta pela própria Mary J. Blige) que nos emociona ao subir dos créditos é sensacional, uma letra e uma melodia belíssima - fortíssima candidata ao Oscar.
Eu vejo MUDBOUND como mais um subestimado pela academia nesse Oscar, porque o longa aborda (com muita propriedade) um tema muito forte na sociedade atual. Na minha modesta opinião, deveria ter ganhado uma indicação a Melhor Filme (afinal, podem ser indicados até 10 filmes). Se Corra foi, porque MUDBOUND não poderia? Aliás, eu achei a forma abordada por MUDBOUND muito melhor e muito mais verdadeira e assombrosa que Corra. [03/03/2018]