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    Olhar Instigado
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Olhar Instigado

    O valor da intervenção urbana

    por Bruno Carmelo

    Na época em que o prefeito-gestor de São Paulo, João Dória, apaga grafites e condena esta “cidade linda” a um oceano de muros cinzentos, o documentário Olhar Instigado possui um papel particularmente relevante. Para dissipar o amálgama perigoso entre grafite e delinquência, os diretores Chico Gomes e Felipe Lion decidem dar a voz a três artistas de rua, em diferentes registros cotidianos: Bruno Locuras faz pichações em prédios e pontes, Alexandre Orion efetua grandes painéis artísticos misturando pintura e colagem e André Monteiro, conhecido como Pato, combina o grafite com esculturas interativas.

    Os melhores momentos do projeto surgem dos retratos individuais. Os diretores criam uma proposta visual adequada a cada um: a câmera treme, captando imagens furtivas durante as pichações escondidas, mas se posiciona calmamente diante do painel em construção. O retrato periférico ganha ares de urgência e denúncia social, enquanto os demais segmentos acompanham discussões ontológicas acerca da apropriação urbana (no caso de Orion) e reflexões técnicas e de procedimentos no trecho sobre Pato. Em determinadas cenas, experimenta-se com o estetismo das tomadas aéreas e câmeras extremamente lentas, que rompem com o registro naturalista.

    Os problemas surgem na articulação entre as três histórias. Cada uma funciona muito bem à sua maneira, mas parecem extraídas de filmes diferentes. Primeiro, não existe questionamento sobre a natureza de cada processo artístico. A montagem associa grafite, escultura e pichação como se fossem a mesma coisa. No entanto, a realidade é muito diferente para o homem pintando de madrugada, correndo da polícia, e outro desenvolvendo seu painel aos poucos, com provável autorização para tal, além do auxílio de andaimes e equipamentos adequados. As gestões políticas costumam tolerar o grafite e atacar o pixo, mas esta distinção de status não é questionada no projeto.

    Segundo, obtém-se de cada entrevistado um tipo de conteúdo totalmente distinto. Orion discursa sobre suas intenções e técnicas, emitindo questionamentos interessantíssimos sobre a apropriação do espaço urbano. Suas falas são tão potentes que a edição não consegue interrompê-lo, deixando que alguns discursos se estendam ao limite da redundância. Ao mesmo tempo, Locuras nunca tem seu trabalho investigado artística ou politicamente. Sabe-se que as frases possuem conotação política, mas o projeto não demonstra interesse no conteúdo veiculado: que palavras são escritas, por que são pintadas naqueles lugares em especial, por que esta grafia específica? Diferente das outras artes, o pixo é interpretado como finalidade em si.

    Por fim, faltaria inserir estas atividades na dinâmica social. A cena mais poética do documentário vem de uma senhora, moradora de uma comunidade, tentando enxergar o mural de Orion apesar da vista bloqueada por uma palmeira. Ela discursa sobre a beleza da imagem, a capacidade de representar seu cotidiano e a maneira como a obra de arte transforma o horizonte de um bairro pouco contemplado pelas políticas públicas. É uma pena que este seja um momento raro: não se vê o impacto das apropriações dos artistas no cotidiano para além de cenas tragicômicas como a obra de Pato sendo danificada por um usuário. Como as práticas dos três biografados são percebidas pelas pessoas, por outros artistas, pelas autoridades? Existem modificações práticas ou simbólicas no meio que os cerca? Olhar Instigante se prende essencialmente à retórica do gesto, à importância do ato de intervir.

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