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    Khibula
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Khibula

    O perigo invisível

    por Bruno Carmelo

    Fato histórico: o primeiro presidente da Geórgia, eleito com ampla maioria dos votos, sofreu um golpe de Estado pouco após a vitória. Recusando-se a buscar exílio em países vizinhos, Zviad Gamsakhurdia (Hossein Mahjoub) vagou com um pequeno grupo de apoiadores pelas planícies geladas de sua nação, até ser encontrado morto na pequena cidade de Khibula. Não se sabe se cometeu suicídio ou foi assassinado. O diretor Giorgi Ovashvili dedica-se à possível reconstituição do que teria acontecido neste período de fuga.

    Apesar do peso verídico e da temática de perseguição política, a ficção se constrói como um drama intimista. O roteiro move-se entre sucessivos deslocamentos: o presidente encontra um lar disposto a acolher seu grupo, mas é descoberto e precisa se mudar novamente. A permanência nunca dura mais de um dia. “Sr. Presidente, fomos descobertos” é uma das frases repetidas mais vezes ao longo da trama. O recurso, que inicialmente imprime um tom de suspense, ganha ares absurdos devido à repetição. O protagonista vive um drama kafkaiano, preso em seu próprio país, enfrentando uma opressão invisível, como o K de “O Castelo”.

    Os opositores do presidente são ocultados da cena. Ouvem-se tiros ao longe, sem saber de onde foram disparados, escutam-se boatos de que uma emboscada estaria prestes a prendê-lo, mas os homens em questão nunca são vistos. Khibula desenvolve um senso de paranoia, de perigo que pode, ou não, ser real. Ovashvili prefere se concentrar no tédio do homem acuado: enquanto a nação está em guerra, a câmera se encontra dentro dos quartos silenciosos, escuros. A belíssima fotografia, abusando dos feixes de luz na janela e outros recortes de textura na imagem, sublinha a impressão de abandono. O presidente não se encontra propriamente em confronto: ele está se dissolvendo, desaparecendo.

    A montagem alterna as cenas silenciosas com instantes em que os apoiadores, otimistas quanto ao sucesso da fuga, começam a interpretar canções folclóricas. Estes instantes são particularmente bem filmados e montados – o diretor consegue imprimir uma força impressionante nas cenas ruidosas, de impacto ainda maior devido ao silêncio que as antecede. É uma pena, no entanto, que esses personagens não ganhem desenvolvimento, história, psicologia. Eles são vistos como uma massa indistinta de vontades semelhantes. Ao menos, a harmonia do grupo representa de modo eficaz o povo unido.

    Mesmo assim, pela ausência de conflitos e pela personalidade hermética do presidente, Khibula resulta numa experiência voluntariamente monótona. Ovashvili deseja transmitir ao espectador o tédio do personagem, e o resultado funciona, para o bem ou para o mal. O refinamento estético compensa em partes a estrutura um tanto fria, ainda que conceitualmente interessante. Na conclusão, o diretor consegue manter suspensas as circunstâncias exatas da morte. Mas oferece, através da paisagem vazia, um retrato da solidão como raramente se vê num drama histórico.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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