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    O Mínimo Para Viver
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Mínimo Para Viver

    Anorexia numa lição para todos

    por Rodrigo Torres

    Marti Noxon é uma estreante com vasta experiência em Hollywood. Produtora de séries como Buffy, a Caça-Vampiros e Grey's Anatomy, ela sabe exatamente como trazer seu público-alvo para si, manipulando suas emoções com artifícios bem identificáveis, e simples, porém eficientes junto ao espectador médio. É assim que a cineasta conduz seu primeiro longa-metragem como diretora e roteirista, O Mínimo Para Viver, seja subestimando o público, seja garantindo o acesso de todos à sua grave temática: a anorexia.

    Ellen (Lily Collins) é a protagonista, e seu distúrbio é apresentado quase que imediatamente, sendo retratada como uma obcecada capaz de mensurar o número de calorias de cada alimento em seu prato. Então, vemos Ellen (que mais tarde adotará o pseudônimo Eli) "brincar" com a comida, revirá-la com os talheres, enfim comendo a vagem, somente a vagem. Essa apresentação sutil, à exceção de sua bonita relação com a meia-irmã Kelly (Liana Liberato), é circundada por situações artificiais, figuras estereotipadas, diálogos expositivos, num contraponto tanto narrativo, a fim de acentuar e informar sobre a doença de Eli, como qualitativo.

    A câmera registra frontalmente e torna mais ostensivo o decote de Susan (Carrie Preston), a madrasta fofoqueira e problemática. Acima do peso em relação a todos os seus trabalhos anteriores, Liana Liberato usa uma saia jeans desconfortavelmente menor numa sequência importante, de modo a realçar o corpo mais avantajado de Kelly diante da irmã doente. Na clínica de reabilitação, toda sorte de conversas forçadas; das internas chamarem um colega de esquisito e em seguida cheirarem uma embalagem de chocolate a comentário solto de que Emma Stone é gorda.

    Essa dramaturgia mal articulada abusa do bom gosto no modo como explora a homossexualidade de Judy (Lili Taylor) e na constrangedora cena em que coloca a filha, adulta, para mamar em seu colo. Em todas as outras, se pouco apuradas, resta funcionalidade. Assim, O Mínimo Para Viver opera como um veículo de informação sobre a anorexia: as consequências dessa terrível condição, o cotidiano de uma casa de tratamento da doença, possíveis motivações dos enfermos etc. Mas a urgência do tema só se manifesta pela boa construção, caracterização e atuação da protagonista por Lily Collins.

    A introspecção de Ellen é bastante expressiva, deixando indícios sobre o impacto emocional causado por um lar desfuncional — especialmente pela figura paterna, ausente em toda a projeção e, por isso, muito presente como catalisadora dos problemas familiares. Sua atitude blasé é onipresente até o momento em que se rende ao carinho de um garoto por qual jamais se interessaria, o mais jovem, mais bobo e mais otimista Luke (Alex Sharp). Eli, assim, mostra que seu corpo frágil é reflexo de seu emocional: aparentemente rijo, mas perfeitamente maleável. Essa nuance é bem desenvolvida e não só mantém a história interessante até o final (corajoso), como legitima a possibilidade de redenção da indiferente protagonista.

    Keanu Reeves é o outro trunfo de To The Bone (no original). O ator volta a mostrar habilidade para adequar sua natural falta de expressão ao papel (e de escolhê-los) e confere autenticidade ao mosaico de clichês que compõe o Dr. William Beckham: o médico com métodos não ortodoxos, o homem que abdica da vida pessoal pela carreira, um profissional cuja dedicação excessiva se reflete em rigor e arrogância. A seriedade de Reeves se soma ao desenvolvimento de Eli para contornar o modus operandi de Marti Noxon, fugir um pouco à aura de genérico de Sundance entranhada em O Mínimo Para Viver e conferir relevância a esse modesto drama de personagem temático sobre a anorexia.

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