Verdade seja dita: o bicho-homem sempre se sentiu desconfortável em meio à natureza. Sempre teve dificuldades em interagir em um local ermo e o clima e os animais que vivem lá. As cidades que vemos atualmente, principalmente as grandes metrópoles tais como São Paulo, Nova York, Moscou, Xangai, Tóquio, entre outras, são a prova disso. É uma tentativa do ser humano de submeter a natureza à sua vontade por meio de concreto, aço e vidro.
Porém, mesmo em megalópoles, a natureza mostra quem realmente manda. Para quem não acredita, basta ver, por exemplo, as chuvas torrenciais que todos anos caem em São Paulo, na época do verão, causando inundações que os governos locais não conseguem conter por mais obras públicas que realizem (e, em todas as eleições, aparece um político demagogo e coxinha prometendo "acelerar" a solução do problema).
O bicho-homem não consegue entender que a mãe natureza, na verdade, está a enviar um recado: "Conviva em harmonia comigo ao invés de lutar contra mim". Mas o orgulho humano é grande demais...
Eric LeMarque (Josh Harnett, da série Penny Dreadful) é um ex-jogador de hóquei no gelo, que deixou esse esporte e tornou-se um praticante de snowboard (uma espécie de "surf na neve"), vive sempre no limite e é viciado em drogas (principalmente em metanfetamina, também conhecida como "cristal" e que, segundo o Dr. Drauzio Varella, tem ocupado o lugar da heroína na Europa). O seu estilo de vida fez com que sofresse um acidente de automóvel e fosse preso. Sua mãe, Susan (Mira Sorvino, de Romy e Michele), deu-lhe uma última oportunidade de se redimir com ela: deve ficar limpo das drogas e comparecer ao tribunal para o julgamento do acidente.
Eric vai passar um fim-de-semana em uma cabana nas montanhas para descansar e refletir. Depois de acordar, decide praticar um pouco de snowboard e, no caminho conhece a guarda florestal Sarah (Sarah Dumont, de Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi). Durante sua descida pela montanha, Eric é surpreendido por uma grande nevasca, perde-se e inicia uma desesperada luta pela sobrevivência.
As artes sempre retrataram o embate homem x natureza. Na literatura, o exemplo mais famoso é o do clássico Robinson Crusoé, escrito pelo inglês Daniel Defoe (1660-1731), no qual nos é contada a história do personagem-título que sofreu um naufrágio, ficou muitos anos perdido, lutou para adaptar-se à sua nova situação sozinho até encontrar o indígena Sexta-Feira e, por fim, voltar ao seu lar. O livro fez um sucesso enorme e teve várias adaptações para o cinema, em filmes e desenhos animados, sendo que uma das mais recentes foi em 1997, estrelada pelo irlandês Pierce Brosnan (franquia James Bond 007). O romance de Defoe também inspirou o grande sucesso Náufrago, lançado em 2000, estrelado por Tom Hanks (Forrest Gump) e com direção de Robert Zemeckis (A Travessia).
Outro exemplo recente de filme desse embate é 127 Horas (2010), de Danny Boyle (Trainspotting), com James Franco (franquia Homem-Aranha) à frente do elenco e indicado para três Globos de Ouro e seis Oscars. O filme é baseado na autobiografia do alpinista Aron Ralston que, durante uma prática de alpinismo, ficou preso em uma rocha e foi obrigado a cometer atos extremos, o que incluía a automutilação.
É com premissa semelhante à dos filmes acima citados que O Poder e O Impossível se apresenta ao público. O filme é também baseado em uma autobiografia, a de Eric LeMarque (escrita com a colaboração do jornalista Davin Seay), um ex-atleta olímpico (jogou na seleção de hóquei no gelo da França nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994) com uma infância difícil, que incluía um pai extremamente exigente (Jason Cottle, de Ato de Valor) que abandonou a família quando Eric ainda era criança.
A premissa não parece manjada, ela é manjada: jovem perde o rumo na vida e se afunda nas drogas. E quando, logo no início do filme, aparece uma citação da Epístola de Paulo aos Romanos, começa-se a pensar de se tratar de um filme evangélico, aliado por uma cena de leitura da Bíblia Sagrada por Susan, em outra cena na qual aparece um Eric revoltado pedindo explicações a Deus ("O que quer de mim?") e reforçado pelo título em português, mas acaba por sair pela tangente.
O diretor e ex-dublê Scott Waugh (Need For Speed - O Filme) aproveitou sua experiência em substituir atores nas tomadas mais perigosas e fez boas cenas de snowboarding, mas, no geral, seu trabalho na direção do filme é bastante convencional. Não compromete, mas também não mostra nada que já não tenha sido mostrado antes, até mesmo nas surpresas.
A fotografia de Michael Svitak também vai pela trilha do convencional com paisagens bonitas, mas banais e peca em algumas cenas por ser muito escura.
O elenco coadjuvante também foi contaminado por esse "vírus" do convencional. Jason Cottle está apenas adequado ao papel de pai tirano que exige tudo e algo mais do filho; enquanto Sarah Dumont está bonita, mas apagada, com presença meramente discreta.
O que salva o filme do total convencionalismo são as atuações do elenco principal.
Mira Sorvino é um nome consagrado desde a conquista do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, em 1995, por Poderosa Afrodite e confirma as perspectivas com uma boa atuação no papel de Susan LeMarque: uma mãe amorosa e sensível. Mira não precisa apelar para qualquer tipo de pieguice e apresenta uma performance honesta e sincera. O que ás vezes fica difícil de engolir é que ela seja a mãe de Josh Harnett no filme, pois a diferença de idade entre ambos é de apenas 11 anos.
Assim como Mira, Josh Harnett tem uma performance honesta e sincera. E graças a essa atuação, somada ao carisma de seu intérprete, é difícil não simpatizar com Eric, mesmo sendo alguém de vida tão turbulenta e com atitudes por vezes questionáveis. Há três cenas de Josh que, para mim, se destacam: ao ter uma miragem (sim, também há miragens em climas frios), o desespero de Eric em recuperar o "cristal" quando caiu no lago, e ao comer sua própria carne congelada. Em todas essas cenas, assim como no restante do filme, atuou sempre de modo crível, mostrando muita competência.
É preciso dizer uma coisa sobre Josh Harnett: ele poderia ter sido um superastro de Hollywood, e sua carreira caminhava nessa direção com sucessos como Pearl Harbour e Falcão Negro em Perigo. Não quis. Preferiu ser mais ator e menos astro dedicando-se ao teatro (trabalhou em uma adaptação do filme Rain Man, de 1988, no papel de Charlie Babbitt, feito originalmente por Tom Cruise) e ao cinema independente, seja na atuação ou na produção (aliás, O Poder e O Impossível é uma produção independente com Josh como um dos produtores). E, sabem de uma coisa? Ele acertou.
Quem já leu minhas críticas anteriores sabem o que penso dos títulos nacionais dados aos filmes estrangeiros. Está certo que o título original pode não ser muito atrativo (6 Below: Miracle On The Mountain, em uma tradução livre, significa 6 Abaixo de Zero: Milagre na Montanha), mas o título brasileiro consegue ser ainda pior!
Apesar de seu convencionalismo - salvo por Josh e Mira - O Poder e O Impossível cumpre seu objetivo em contar a experiência de Eric LeMarque (que aparece no final com as sequelas dessa mesma experiência), e é um tipo de filme que agrada ao público brasileiro com sua história de luta pela sobrevivência, superação e redenção após passar por grandes sofrimentos (uma característica que tem em comum com 127 Horas). A platéia irá, de uma forma geral, sair satisfeita das salas de cinema, mesmo que esta película não seja uma obra-prima.