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    As Misândricas
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    As Misândricas

    Um mundo sem homens

    por Bruno Carmelo

    Desde que migrou do pornô gay para o cinema “de arte” dos festivais, Bruce LaBruce tem investigado os tabus do desejo humano, como a atração sexual por pessoas idosas, a androginia e especialmente a posição hierárquica das mulheres. Quando tentou ser cerebral e sério demais, atingiu resultados muito fracos (Gerontofilia, Pierrô Lunar), mas nos casos em que investiu na paródia assumida de gênero, os projetos se saíram muito melhor. Este foi o caso de L.A. Zombie, e agora da comédia As Misândricas.

    O início relembra uma versão feminista de O Estranho que Nós Amamos, onde uma casa repleta de mulheres é transformada pela presença inesperada de um soldado ferido. Temos exatamente o mesmo motor narrativo, com a diferença de o lugar em questão não ser um refúgio cristão, e sim uma seita de feministas militantes que desejam viver sem homens, praticando o lesbianismo e a pornografia como modo de vida revolucionário. Elas estudam história, matemática e outras matérias pelo ponto de vista feminino, enquanto planejam a melhor forma de praticar uma vingança sangrenta e definitiva contra o patriarcado.

    O conceito poderia dar origem a uma piada, uma simples leitura diametralmente oposta do romance de Thomas Cullinan – ao invés da repressão dos desejos, aqui eles são vividos abertamente. Mas é impressionante como LaBruce desenvolve a sua história, criando um passado específico para cada uma das garotas e professoras, questionando a transfobia em certos meios feministas, a possibilidade de contribuição masculina ao movimento e a diferença entre engajamento teórico e os perigos do extremismo na hora de passar à prática.

    Estas questões são embaladas em bom humor, incluindo cenas hilárias da pesquisa com pornografia gay ou de uma freira misteriosa caçando pelas florestas. O elenco compreende bem o tom farsesco e lúdico, proposto pelo diretor. Susanne Sachsse, musa do cineasta, interpreta com destreza a matrona da casa feminista, misturando o caráter autoritário com um tom sedutor. Kita Updike, em seu primeiro papel no cinema, se sai muito bem com os diálogos pouco naturais, enquanto Kembra Pfahler encarna a figura da performer queer não-binária. As cenas de sexo são particularmente bem filmadas, assim como o desfecho gore. O constante flerte com o trash condiz muito bem com o distanciamento sugerido pela fábula feminista.

    Talvez As Misândricas seja o filme mais pudico de LaBruce em termos de representação do sexo, porém um dos mais complexos em sugestões e discussão política. Até agora, a filmografia do diretor tem trazido textos repletos de referências filosóficas ou abertamente pornográficos e despretensiosos. Este novo projeto representa uma espécie de fusão das duas vertentes, mais bem resolvida e mais coerente que seus antecessores.

    Filme visto no 25º Festival Mix Brasil, em novembro de 2017.

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